Parece hoje inquestionável que o mundo está já a assistir à segunda vaga desta pandemia. Nalguns países até com um maior número de casos do que na primeira e, em todos, felizmente, com menos incidência na mortalidade. Sem uma vacina parece difícil eliminarmos o vírus e teremos que conviver com ele. Sem confinar drasticamente como na primeira vaga, porque a economia e o ensino não aguentariam e, por isso, admitindo as condições para que ele continue por aí. É a teoria do mal menor, reveladora de realismo e sensatez.
Depois de 10 meses de pandemia parecem traçadas as principais caraterísticas da Covid-19: facilidade e rapidez de contágio, risco elevado de mortalidade para infetados com mais de 80 anos, sérios problemas de controlo em unidades residenciais para idosos. O confinamento tem sido até agora a medida mais eficaz para suster o progresso do vírus, o uso de máscara parece ser hoje consensual, o distanciamento social a melhor forma de prevenção.
Na segunda semana de setembro o mundo apresentava perto de 30 milhões de infetados e 930 mil mortos, com uma taxa de letalidade de 3,2%. A distribuição da epidemia pelos diferentes continentes não tem sido uniforme. O continente europeu e a América do Norte, que representam as Regiões mais ricas do Mundo, apresentam um maior número de infetados e uma letalidade superior à média (5,5% e 3,7%, respetivamente). Aí vivem populações muito envelhecidas e por isso com muitas residências para idosos, aonde a morte por COVID tem sido mais incisiva.
A Europa representa hoje 14% dos casos registados, tendo 10% da população mundial, o que mostra bem a maior incidência do vírus neste continente. Os sistemas de saúde europeus são considerados os melhores do mundo, a par do australiano e neozelandês, mas isso parece não ter funcionado como um bom antidoto para a dispersão do contágio e para o controlo da mortalidade. O comportamento das pessoas e as decisões políticas dos governantes, em matéria de confinamento e abertura, têm sido decisivas para os resultados que cada país apresenta. O aconselhamento técnico dos especialistas tem diferido nalguns países, com propostas de imunidade de grupo e tolerância ao contágio que se têm revelado desastrosas. Isso não significa que não venham a ter razão no fim… A ver vamos.
No meio da pandemia registou-se uma feroz competição por turistas em veraneio. Apareceu um conjunto de países “inteligentes” que ditaram corredores aéreos “livres de COVID”, para os quais pretenderam orientar as divisas dos viajantes. Arranjaram, para o efeito, critérios instantâneos de segurança, pouco credíveis e nada estáveis. A confusão instalou-se e rapidamente o feitiço se virou contra os feiticeiros. A EU teve que tomar uma posição mais sensata sobre a matéria, sugerindo uniformidade no espaço europeu, utilizando 3 critérios essenciais: a) número de novos casos nos últimos 14 dias, por 100 mil hab.; b) número de testes realizados nos últimos 7 dias, por 100 mil hab.; c) percentagem de resultados positivos dos testes realizados. Compreendem-se estes critérios, mas faltam os indicadores que nos revelem a gravidade dos infetados (internamentos, doentes críticos e óbitos).Mas até agora nada de novo, voltando Portugal a sentir o peso dessa discriminação sem fundamento.
Com 6 meses de SARS – COV 2, Portugal tem tido um desempenho bastante aceitável em comparação com os países do centro e oeste da Europa. Importa referir que não começamos bem, porque fomos o país europeu que sofreu uma progressão mais rápida do vírus. Com um mês após o primeiro caso registado atingimos os mil infetados por milhão de habitantes, quando os outros países demoraram entre 53 e 77 dias a atingir essa fasquia. Com as medidas severas de confinamento conseguimos atrasar a evolução de novos casos, mas depois voltamos a acelerar. Hoje, no limiar dos 6 mil casos por milhão de habitantes, e no contexto da Europa a 15, estamos na 6ª pior posição, apenas melhores que o Luxemburgo, Espanha, Suécia, Bélgica e Irlanda.
Mas estamos francamente bem na mortalidade, apesar do envelhecimento e dos lares. Estamos na 6ª melhor posição da Europa a 15 (com 17,99 mortos por 100 mil hab), apenas superados pela Grécia, Finlândia, Áustria, Dinamarca e Alemanha. Neste indicador, a Bélgica tem 5 vezes mais óbitos, a Espanha e o Reino Unido 4 vezes, a Itália e a Suécia próximo disso e a França 3 vezes mais. A nossa taxa de letalidade do vírus está hoje abaixo dos 3%, uma das melhores da Europa a 15, e que compara com cerca de 12% na Itália, Reino Unido ou Bélgica, perto dos 9% na França e na Holanda, 6% em Espanha e 4% na Alemanha. Estas taxas vêm baixando consistentemente com a segunda vaga, menos letal do que a primeira, pelas razões que adiante explicaremos.
Esta menor letalidade reflete-se, entre nós, também no trabalho hospitalar. No mês de agosto, em que se registou um aumento médio diário por semana, de novos casos, perto dos 93%, o número de internados reduziu-se em 13%, o número de doentes em UCI manteve-se constante e o número de óbitos também. Esta evolução permite concluir que a gravidade do contágio é agora menor do que em março, abril e maio, com uma proporção cada vez menor de internamentos, de doentes críticos e de óbitos. Aqui, o fator explicativo reside essencialmente na idade dos novos casos, em que os mais jovens, até aos 40 anos, têm sido a classe etária mais afetada, com cerca de 40 a 50 % dos novos casos diários. Em contrapartida, as pessoas com mais de 70 anos representam diariamente apenas cerca de 12% dos novos casos. Este novo panorama da distribuição etária dos infetados conduz a mais casos assintomáticos ou de nula ou baixa gravidade, o que dispensa internamentos e permite a permanência no domicílio. Tudo isto é volátil, e nada nos garante que os mais idosos não venham a ser de novo fortemente flagelados, com o cortejo de óbitos, internamentos e doentes críticos a subir significativamente (do que parece haver já sinais preocupantes).
Mas falemos da segunda vaga. Não porque Portugal já a esteja a sentir. Antes porque muitos outros países europeus já a estão efetivamente a viver ou já por ela passaram.
Desde princípios de julho que a segunda vaga se desenvolve, já com maior número diário de casos do que a primeira, em vários países: Espanha, França,Grécia,Roménia e Republica Checa. Bélgica, Holanda, Dinamarca, Reino Unido e Luxemburgo estão também numa 2ª vaga. A Áustria iniciou-a um mês depois (princípios de agosto) e a Itália, Alemanha, Finlândia e Irlanda registaram aumentos significativos nas últimas semanas. A notícia menos má é que o número de óbitos diário está, em todos os países, muito abaixo dos valores registados na primeira vaga, pelas razões já acima referidas.
Não será por isso uma surpresa se viermos efetivamente a registar uma segunda vaga também entre nós. Os números dos últimos dias não são nada tranquilizadores, não só pela subida de novos casos, mas sobretudo pelo aumento de doentes internados e de doentes críticos. E também nos óbitos é expectável que, a prazo, tenhamos um crescimento no seu número diário.
São prognósticos perturbadores para todos nós, quando a vida de trabalho retoma a nova normalidade e as escolas reabrem para o novo ano-letivo. Não devemos ceder ao medo e correr riscos razoáveis não nos deverá aterrorizar. Saibamos ter calma e bom senso e, sobretudo, evitar correr riscos desnecessários, como festas e grandes aglomerados. E de novo, proteger disciplinadamente os nossos lares e os nossos idosos, matéria em que o Governo tarda em tomar medidas urgentes.