Em tempos que já lá vão, a festa do PSD, no Pontal, deslocava a agenda política para o Algarve. Mas, este ano, não obstante o cancelamento da rentrée social-democrata – e o sururu provocado pela realização da Festa do Avante! (ver pág. 72 e seguintes) –, o Algarve manteve-se como uma espécie de centro político. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, com a sua “Presidência Aberta” por todos os concelhos algarvios, já remeteu o primeiro-ministro à defesa, já puxou as orelhas à Direção-Geral da Saúde, obrigando aquele organismo a mudar o plano de comunicação, e continua, alegremente, entre copinhos de medronho e cortes de cabelo na “Barbearia Central” de cada terra que visita, a produzir declarações que fazem deste mês de agosto um dos seus períodos mais interventivos de sempre.
Logo numa visita à Feira do Livro de Lisboa, e antecipando-se à segunda parte da entrevista de António Costa ao Expresso, em que o primeiro-ministro anunciava uma crise política – ou seja, a demissão do Governo –, caso o Orçamento do Estado para 2021 fosse chumbado, Marcelo já tinha avisado: não, não haverá crise política alguma. Usando toda a força da sua magistratura de influência, Marcelo está a obrigar o Governo e os partidos à sua esquerda – ou, quiçá, à sua direita… – a fazerem cedências, para que o documento seja mesmo aprovado. Esta declaração esvazia o efeito da alegada chantagem de António Costa, que parece ter tentado recuperar o truque que já tinha utilizado quando uma coligação negativa, no Parlamento, tentara forçar a reposição integral dos vencimentos dos professores. Dessa vez, o braço-de-ferro foi favorável ao chefe do Governo. Mas, numa reprise da famosa máxima de Heráclito – “a mesma água nunca corre duas vezes por baixo da mesma ponte” –, António Costa, já depois de ouvir o Presidente da República, foi obrigado a recuar, garantindo que não só não fez qualquer ultimato como as negociações, na semana passada (ainda só com o BE e o PAN), “correram muito bem”. E é bom que corram, visto Costa ter dito, na mesma entrevista, que, “no dia em que o Governo depender do PSD, deixa de existir”. Face às declarações perentórias de Marcelo, são palavras que António Costa reza para não ter de engolir…
A verdade é que os próprios poderes do Presidente ficarão limitados, a partir do próximo dia 9. Segundo o artigo 172º da Constituição, o Presidente da República não pode dissolver o Parlamento no último semestre do seu mandato. Assim sendo, com o eventual chumbo do Orçamento, o País entraria numa espécie de bloqueio, com Marcelo impedido de convocar eleições legislativas e com um governo demissionário e em gestão, na melhor das hipóteses, durante um ano. Em tempos de pandemia, de crise económica e de aplicação do Fundo Europeu de Recuperação, isto é impensável. E o País não perdoaria a ninguém – nem ao Governo nem à oposição.