No dia em que for anunciada a descoberta de uma vacina eficaz contra a Covid-19, o mundo vai respirar de alívio e até gritar de alegria. Mas quanto tempo durará a euforia? Quanto tempo resistirá a emoção de sentir que este pesadelo estará prestes a chegar ao fim? É melhor prepararmo-nos para uma festa rápida sem nos distrairmos do essencial: continuar a lavar as mãos demoradamente e usar a máscara sempre que sairmos à rua. Produzir vacinas para um planeta inteiro significa, neste momento, fabricar quase oito mil milhões de doses, e isso, naturalmente, vai demorar muito tempo. Além de que outra dúvida surgirá: quem serão os primeiros a beneficiar deste avanço científico?
Quase tão difícil quanto a descoberta da vacina será a sua distribuição por um mundo ávido, mas habituado a assistir a uma enorme desigualdade no acesso aos medicamentos. Ninguém tem dúvidas, face aos concorrentes atuais, de que as primeiras vacinas serão descobertas e começarão a ser produzidas em países ricos. Para quem? Para as populações desses mesmos países ou para quem mais dela necessitar por esse planeta fora? Quem definirá os critérios para a distribuição? Como e quando poderão os países pobres ter acesso à vacina, já que não têm dinheiro para garantir a sua compra?
Este filme, se bem se recordam, já teve uma primeira parte logo no início da pandemia, naqueles tempos em que a escassez de máscaras cirúrgicas, de reagentes para testes e de ventiladores fez muitos países entrar numa escalada de preços para tentar assegurar a sua proteção. Mais tarde, viu-se também como a situação pode descambar rapidamente, quando Donald Trump deu ordem para comprar a produção quase total de Remdesivir, o medicamento que consegue encurtar o tempo dos doentes nos cuidados intensivos. Agora, seria conveniente voltar a ouvir Bill Gates, que há muito alertou para a mais que provável ocorrência desta pandemia e para a necessidade de os governos começarem a pensar já na produção e distribuição da vacina, mesmo antes de o seu fabrico estar concluído. Nos últimos dias, Gates deixou um novo aviso, ainda mais importante: “Se deixarmos que os medicamentos e as vacinas cheguem a quem pagar mais por eles, em vez de às pessoas e aos locais onde são mais necessários, teremos uma pandemia mais longa, mais injusta e mais mortal.” Ninguém diga que não foi avisado – mais uma vez.