A ACSS publicou recentemente o Relatório Anual do Acesso a Cuidados de Saúde no SNS e entidades convencionadas referente ao ano de 2018. É um extenso documento com mais de 300 páginas, que passa em revista a atividade do SNS nas suas múltiplas vertentes, desde a promoção da saúde às medidas de prevenção e às ações desenvolvidas no âmbito dos cuidados primários, hospitalares, continuados e paliativos e ao acesso dos cidadãos aos medicamentos.
Temos boas e más notícias: mais pessoas cobertas por médico de família, mais consultas, mais cirurgias realizadas em ambulatório, menos doentes internados e, pela primeira vez, TMRG nos cuidados primários; e, por outro lado, tempos de espera maiores para cirurgia, menos cirurgias realizadas face ao ano anterior, continuação de um excesso desordenado de procura de urgência e muito poucos cuidados médicos domiciliários.
Importa focar a atenção nas áreas de prestação de cuidados primários e hospitalares, afinal as mais visíveis para os doentes e para as famílias:
1. CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Em 2018 a população residente com médico de família atribuído, no Continente, atingiu o valor de 96,9%, que compara com 91,7%, no princípio desta legislatura. Falta apenas dar médico de família a cerca de 690 mil portugueses (em 2015 eram 1,04 milhões), facto que não será plenamente conseguido nesta legislatura, como prometido. Mas o caminho foi percorrido com bastante consistência e sucesso, o que merece ser assinalado, porque estamos a falar do pilar fundamental de acesso ao SNS.
O número de consultas médicas realizadas superou os 31 milhões (mais 1,6% do que em 2017),sendo de referir, como elemento negativo, o valor inexpressivo das consultas domiciliárias (apenas 0,6% do total, quando, por exemplo, na Bélgica, correspondem a 50% das consultas realizadas em cuidados de saúde primários). O modelo está completamente institucionalizado, divorciado dos problemas de mobilidade que afetam cada vez mais a população portuguesa, muito envelhecida.
Em 2018, tivemos, pela primeira vez, a monitorização, em sede de CSP, dos tempos máximos de resposta garantidos. Os resultados foram razoáveis, face às novas exigências da Portaria 153/2017 de 4 de maio. As consultas médicas de doença aguda foram realizadas no próprio dia em 44,2% dos casos (quando deveriam ser todas); consultas de renovação de receituário deviam ser correspondidas em 72 horas e foram-no em 95,3% dos casos. A taxa de utilização de consultas regrediu face a 2015, situando-se agora nos 67,5%, o que significa que mais de 30% dos inscritos não frequenta o seu médico de família.
2. ATIVIDADE HOSPITALAR
Verifica-se que o número de doentes internados vem diminuindo ao longo desta década, atingindo em 2018 o valor mais baixo: 785 mil doentes internados (menos 8% do que em 2010). Para esta evolução, comum na maioria dos países mais desenvolvidos, têm contribuído fatores virtuosos, como acontece com o tratamento em ambulatório de muitas doenças,
registando-se, neste particular, o forte desenvolvimento ocorrido entre nós na área da cirurgia ambulatória (em 2018 foram realizados, sem internamento, 65,5% dos procedimentos cirúrgicos, face a um valor de 10% em 2000 e de 58,5% em 2015). Mas não devemos deixar de olhar para o comportamento do setor privado e social neste domínio, em que podem estar a funcionar como alternativa a uma parte da procura anteriormente destinada ao SNS e, assim, absorver uma casuística que necessita desse tipo de cuidados.
As consultas externas hospitalares têm subido discretamente. Em 2018 registou-se um crescimento de 0,9%, mantendo-se inalterável a proporção entre consultas de primeira vez e consultas subsequentes (na casa dos 28% para as primeiras em toda a década). Esperar-se-ia uma alteração, já que sucessivos governos têm batalhado para incentivar os hospitais a reduzir o ciclo de consultas por doença/especialidade e desse modo, libertar tempos de consulta para novos doentes que estão em lista de espera. Mas há hábitos muito arreigados nos profissionais e nos doentes que dificultam este processo.
De salientar o número mais elevado de sempre de consultas de oncologia, realizadas em 2018, pela primeira vez acima das 500 mil (mais 2,3% do que em 2017 e mais 29,1% do que em 2010).
As intervenções cirúrgicas no SNS têm subido lenta mas consistentemente ao longo dos últimos 7 anos, com a exceção de 2018. Neste ano foram realizadas 672 mil cirurgias, menos duas mil que no ano anterior, mas ainda assim mais 18 mil do que no ano de 2015. Para esta ligeira redução terá contribuído decisivamente o surto de greves ocorridas em blocos operatórios dos hospitais do SNS no ano passado e não totalmente compensadas. De salientar que nos hospitais em PPP as cirurgias aumentaram 7,5% em 2018 e que nos convencionados e protocolados também se registaram significativos aumentos (25,8% e 15,5%, respetivamente) o que confirma o apoio imprescindível destes estabelecimentos, face às circunstancias adversas vividas no SNS.
No SIGIC foram registados 594.978 doentes operados em 2018, o valor mais elevado de sempre desde que há esta plataforma (mais 6,2% do que em 2015 e mais 22,9% do que em 2010). Deste conjunto de doentes, 89% foram operados em estabelecimentos do SNS e 11% em hospitais privados ou de natureza social, protocolados ou em convenção.
O número de observações em urgência hospitalar é um dos maiores problemas que o nosso SNS apresenta: utentes a mais, condições de resposta sempre insuficientes, muita insatisfação, custos muito elevados. Em 2018 registou-se um aumento do número de observações, ainda que muito ligeiro. Este mau resultado, ilustrativo da falta cabal de respostas nos CSP (não é fácil perceber que à maior cobertura em médicos de família não corresponda uma redução das “falsas” urgências nos hospitais) é suavizado pela resposta em tempo adequado para cerca de 75% dos casos, valor superior ao registado nos dois anos anteriores.
Uma referência, importante quando se fala de acesso, aos tempos de espera. Em 2018, o referencial sobre Tempos Máximos de Resposta Garantidos correspondeu a um nível de exigência mais elevado, logo tempos menores, de acordo com a Portaria 153/2017 de 4 de maio. O número de casos que ultrapassou os TMRG não é, por isso, comparável com o ocorrido nos anos anteriores. Pela primeira vez, com acima já se referiu, os CSP foram avaliados também por TMRG, como os hospitais. Mas é nestes, e nas diferentes vertentes da prestação, que importa perceber o que se passou.
Nas consultas externas, em 37 especialidades (69%), os TMRG foram cumpridos em mais de 80% dos casos. E apenas em 4 especialidades esses tempos foram ultrapassados para 50 a 60% dos doentes: Neurocirurgia, Dermato-Venerologia,Oftalmologia e Genética Médica.
Em cirurgia, a média dos tempos de espera aumentou face a 2015 (de 2,9 para 3,3 meses). Apesar do aumento de intervenções cirúrgicas e do inestimável apoio dos setores convencionados e protocolados, o número de novos doentes inscritos em LIC foi superior à quele aumento. Estavam, por isso, em espera, no final de 2018, cerca de 244 mil doentes, o que não podemos deixar de considerar como negativo. Note-se que a emissão dos vales-cirurgia, como forma de superar tempos de espera inadequados, não tem resultado como se esperaria, pois apenas cerca de 18% dos utentes ativam essa disponibilidade, preferindo a maioria dos restantes aguardar no “seu” hospital a data da cirurgia.
Uma chamada de atenção para o excelente trabalho que o SNS tem feito, através da DGS e do INFARMED, para promover mais acesso dos cidadãos a programas de promoção da saúde e de prevenção da doença e também aos medicamentos. Os resultados têm sido bastante estimulantes em muitos domínios e falaremos disso oportunamente.
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