A exclusividade foi lançada em forma de Lei por Leonor Beleza, já nos idos de finais de 80 do século passado. Pretendia-se, assim, fixar mais tempo de trabalho médico nos serviços públicos e com isso aumentar a atividade e responder melhor às necessidades da população.
Um médico que então optasse pela exclusividade passaria a ganhar (para 35 horas semanais) mais 39% sobre o valor bruto da não exclusividade e, em regime de 42 horas, mais cerca de 71%, o equivalente a mais 721€ e mais 1.545€, respetivamente, na base da carreira.
Alguns médicos optaram por ficar em exclusividade, mas isso não trouxe benefícios visíveis, nem no aumento da atividade, nem na produtividade dos serviços. O que então se verificou, foi que a maioria dos que entraram na exclusividade pertencia ao grupo dos mais velhos, desgastados do seu trabalho em privado e ansiosos por obterem uma reforma mais composta para a sua velhice. Houve, como sempre, execeções, mas este cenário defraudou as expetativas do governo de então e representou muito mais despesa, menor produtividade e um claro desperdício de recursos.
Os governos que se seguiram, perceberam bem a lição e nenhum quis ouvir falar mais em exclusividade dos médicos. Restam em exclusividade, desse tempo, cerca de 28% em 35 horas e mais 20% em 42 horas, o que tem significativa expressão, ao contrário do que muitas vezes se pretende fazer crer.
No último governo PSD/CDS e após uma aturada negociação com os sindicatos médicos, foi aprovado, em 2012, um novo horário de trabalho de 40h semanais, sem exclusividade, para todos os médicos entretanto admitidos no SNS e para aqueles que assim quisessem optar. Estão hoje, nesta situação, cerca de 45% dos médicos em exercício efetivo de funções (sem contar com os internos), auferindo um vencimento bruto que varia entre 2.746€ e 5.063€, de acordo com as posições que ocupam na carreira. O aumento remuneratório que resultou destas alterações foi de mais 30% e mais 43%,por valor-hora de trabalho, nos graus extremos da carreira médica, em comparação com o regime de 35h sem exclusividade. Nestes novos horários, o tempo previsto, na carreira hospitalar, para trabalho de urgência, passou de 12 para 18 horas semanais, o que significa que para trabalho programado ainda se reduziu uma hora na carga de trabalho semanal, que passou apenas para 22h (pouco mais de 4h por dia útil). Este acordo foi mais uma vez nefasto pra o erário público, pois representou um brutal aumento de encargos, sem contrapartidas significativas na atividade médica programada e que é a que mais se deve valorizar. A atividade de urgência hospitalar representa, em cerca de 70 % dos casos, prestação de cuidados primários, que deveriam ser da competência dos médicos da medicina geral e familiar. Os hospitais viram, assim, reduzidas as suas capacidades de resposta a doentes mais complexos e programados, afinal, aqueles a que interessa dar prioridade. Percebe-se, todavia, a posição do então ministro Paulo Macedo, já que à falta de soluções estruturantes para reduzir a procura de urgência, optou por, desta forma, tentar evitar a derrapagem em horas extraordinárias. Infelizmente também sem grande sucesso, já que este tipo de trabalho tem aumentado e a contratação de empresas de médicos, também, de forma desmesurada.
Acresce aos salários-base dos médicos, o valor do trabalho suplementar (em presença física, em prevenções, em horas incómodas ou extraordinárias). Em 2017 foram realizadas mais de 5,7 milhões de horas suplementares, numa média de 286 por médico, em presença física, e mais 481 em prevenções. Estas horas, muitas delas realizadas em esforço e grande penosidade para os médicos, representam, todavia, um quarto da sua remuneração mensal, em média, ou seja, entre 700€ e 1250€, o que num universo de 18 mil médicos tem fortíssimo impacto anual nas contas públicas (próximo dos 300M€ em 2018)), numa despesa com pessoal médico superior a 1,8 mil M€ e, ainda, mais 100M€ para empresas de médicos.
É à luz destas circunstâncias, e deste histórico de sucessivos falhanços, que se deve equacionar a nova ideia da exclusividade. Deve, portanto, ser bem pensada., alicerçada numa correta reestruturação do modelo remuneratório dos médicos, que inclua incentivos que premeiem a dedicação, a produtividade, a diferenciação e a qualidade de cada médico. A exclusividade não pode ser um mero expediente burocrático que atribui um novo estatuto e paga mais. Deve ser um contrato com cada médico, em função das necessidades das instituições, feito caso a caso e com indicadores predefinidos sobre resultados. E se isso não for cumprido deve ter uma salvaguarda que permita renegociar o estatuto subsequente do médico. A ideia de contratar mais horas de trabalho, sem avaliar o que delas resulta, não é, como já se viu no antecedente, a melhor das soluções.