Lembro-me bem dos primeiros debates quinzenais desta legislatura. Lembro–me de ouvir PSD e CDS anunciarem o diabo. O diabo era ilustrado com gráficos a demonstrarem a certeza do descontrolo do défice, a certeza do descontrolo orçamental, a certeza do aumento do desemprego, a certeza da paralisação da economia. A estas certezas juntavam-se as certezas do mal-estar internacional e europeu para com um governo do PS suportado pelas “esquerdas unidas”.
A direita que nos deixou na memória a pobreza como caminho moral e oito orçamentos retificativos iniciou a legislatura com uma espécie de apropriação do rigor orçamental, jurando que à esquerda seria o caos e que as boas intenções relativas à devolução de direitos eram delírios socráticos.
De resto, o tempo foi passando e, não chegando o diabo, comprovadas as contas certas, assistindo a números sem memória de descida da taxa de desemprego, devolvidos salários, pensões e prestações sociais, a direita ficou sem outra estratégia que não a de dizer muitas vezes as palavras “bancarrota” e “Sócrates”.
No PSD, a clivagem entre Rio e parte do seu grupo parlamentar é exteriorizada numa oposição vazia. Se é certo que Rui Rio tem qualidades inquestionáveis, não consegue evitar a infiltração no seu partido e no seu grupo parlamentar, em modo “barriga de aluguer”, da direita que a história do PSD rejeitaria. Está lá o tea party devidamente assessorado, pronto para implodir com décadas de História.
Assunção Cristas, por seu turno, assiste ao desmembramento do seu partido. O CDS era menos permeável a gente tea party do que o PSD e subitamente – coincidindo com a saída de Adolfo Mesquita Nunes – temos uma líder prisioneira de fanáticos, uma líder que escreve aos militantes para os sossegar, jurando que não haverá mais “loucuras” como a da criação de uma passadeira de peões LGBT, que ocorreu a um autarca centrista de Arroios. Há muito tempo que escrevo sobre as tendências reacionárias que o CDS alberga, sentindo que um dia chegaria o tempo de terem força. O tempo chegou. Hoje, no CDS, há espaço aberto para a homofobia vil e para um candidato às europeias que normaliza o Vox.
Ao mesmo tempo, em desnorte, Assunção Cristas apoia todas as reivindicações sindicais, com autenticidade zero, porque sabemos que se fosse governo não estaria ao lado de nenhuma das classes profissionais em causa.
O episódio dos professores foi o epílogo de uma direita perdida. PSD e CDS juntaram–se ao BE e ao PCP para darem a mão a Mário Nogueira, enganando os professores e violando a coesão social: mostraram de forma estridente o quanto mudaram. Ali não há nem estratégia, nem sentido de Estado, nem programa, nem inteligência.
Há quem diga que o PS mudou. Que Costa era o PM da devolução dos direitos e que agora mostrou ser o PM do rigor orçamental. Não é verdade. Desde o início da legislatura que o PS cumpre o seu programa de governo. As medidas tomadas são as que foram ali inscritas e as que resultam dos acordos à esquerda. Nunca, em momento algum, António Costa teve uma postura irresponsável de criar expectativas sem a certeza de que cada direito seria conferido sem perigo de retrocesso não só desse como de outros. Foi-se mais longe, como na contabilização do tempo dos professores, quando possível e com rigor.
O PS, felizmente, não mudou. A direita está irreconhecível.