O crédito foi uma das grandes invenções da humanidade. Os bancos são instituições fundamentais para as economias de mercado e de concorrência aberta. A Caixa Geral de Depósitos é o banco detido a 100% pelo Estado português e dele dependem muitos pequenos empresários e empreendedores que recorrem ao crédito para assegurar a sua actividade. É no banco público que milhões de aforradores têm as suas poupanças. Foi à CGD que milhares de famílias recorreram para contrair empréstimo para a compra de casa.
O que esperamos da Caixa é que saiba zelar com prudência e responsabilidade pelas nossas poupanças. Durante 15 anos, entre 2000 e 2015, a Caixa foi um veículo financeiro para a realização de negócios ruinosos. Na sua base estiveram decisões censuráveis, precipitadas e negligentes. As imparidades, palavra que esconde uma realidade cruel, perdas, são assustadoras: 1.200 milhões de euros. E quem foram os beneficiários destes créditos dados como irrecuperáveis? Na sua maioria, fundações privadas, construtoras e pessoas influentes com ligações diversas, da política aos negócios.
O Estado injectou 16.700 milhões de euros na banca entre 2008 e 2017, dos quais 5.000 milhões de euros foram para Caixa. Estão previstos ainda mais 5.500 milhões de euros em apoios para toda a banca. É muito dinheiro e o País está cansado da canalização de dinheiros públicos para salvar bancos, verbas tão necessárias para os nossos hospitais, escolas e segurança e que são esbanjadas desta forma irracional.
As imparidades da Caixa não são um pormenor, muito pelo contrário, merecem um apuramento exaustivo, transparente e até às últimas consequências políticas, admitindo que, no plano jurídico, os crimes anteriores a 2009 possam ter prescrito. As decisões de conselhos de administração e de altos quadros da Caixa lesaram o interesse público e é em nome desse interesse que os portugueses merecem conhecer a verdade. As sucessivas administrações da CGD condescenderam e/ou pactuaram com interesses particulares lesam todos os contribuintes. Tiveram uma actuação amadora e pouco séria.
Não fosse a recapitalização e a CGD teria sido alvo de resolução, garantiu o ministro das Finanças na semana passada. Mas até que ponto quer o Governo que conheçamos a verdade, quando o mesmo Governo reteve na gaveta o relatório da EY, encomendado em dezembro de 2017? É para duvidar as intenções reais de Mário Centeno, o ministro que deu instruções à CGD para se constituir assistente na investigação que a Procuradora Geral da República está a fazer. Não estará Mário Centeno a encetar mais um exercício de simulação e de cinismo?
O Banco de Portugal, que fracassou na sua missão com o BPN, BPP, BANIF e BES, voltou, uma vez mais, a mostrar incapacidade para assegurar a supervisão bancária. O Banco de Portugal já deveria ter activado a comunicação de crise e dado explicações cabais sobre se tinha conhecimento das imparidades da CGD.
É o BCE quem o diz: a banca nacional deu crédito de risco, porque sabia que o Estado iria sempre resgatar as instituições financeiras, concedendo-lhes ajudas. Quase todos os bancos em Portugal foram salvos, desde o recente período de assistência externa, mas quem salva os contribuintes desta irresponsabilidade no setor financeiro? A banca tinha as costas quentes, mas os contribuintes ficam sempre com o fardo das dívidas, dos prejuízos e do rasto dos maus gestores.
Ao longo dos seus 143 anos de existência, a Caixa atravessou múltiplas vicissitudes: mudança de regimes, crises económicas, perturbações sociais e alterações geopolíticas. O saque a que foi submetida era desnecessário e não deveria sequer ter ocorrido. Agora é tempo de apurar responsabilidades e de virar a página de mais este triste capítulo da novela bancária nacional.