No debate do Orçamento do Estado, o líder parlamentar do PSD, comentando a descida de 200 euros no valor das propinas do Ensino Superior, criticou que quem é pobre tenha de “pagar a faculdade dos outros com os seus impostos”. E, lesto, o seu partido veio propor manter as propinas no valor máximo de 1000 euros e, “em alternativa”, “apostar na construção de residências para estudantes”. O CDS não quis ficar atrás e, criticando também o alcance geral da redução das propinas, propôs que a folga orçamental negociada pelo Bloco de Esquerda para a redução das propinas seja antes aplicada num aumento do número de bolsas para estudantes pobres.
A falta de autoridade política da direita para fazer suas estas propostas – ou não tivesse sido o seu governo que retirou apoios e manteve a habitação estudantil em patamares residuais, acrescidos da liberalização das rendas – não é o essencial deste debate. O que é verdadeiramente importante é o estarmos diante de duas construções contrastantes do que deve ser o papel do Estado na sociedade portuguesa. De um lado, a que defende que o Estado deve ser o garante da fruição de bens públicos, através de políticas universais que dão força aos serviços públicos; do outro, a que defende que ao Estado só cumpre adotar políticas de assistência aos mais pobres para evitar a sua exclusão sumária do acesso aos mesmos serviços públicos.
Naquelas propostas da direita parlamentar – e na crítica à medida orçamental de descida geral do valor das propinas – está presente o entendimento de que o Ensino Superior é um bem que deve ser pago pelas famílias, tanto como o deviam ser os manuais escolares dos ensinos Básico e Secundário até hoje. Para a direita, o Estado não deve assumir, em nome da comunidade nacional, as consequências – desde logo em termos de custos – da consideração da formação superior como um objetivo estratégico prioritário para Portugal e, portanto, como um bem público. Não, para a direita, o Ensino Superior deve ser pago por cada um e ao Estado cabe apenas assistir os mais pobres para que possam aceder-lhe. O que há de ideologicamente claro na ideia das bolsas ou das residências para estudantes pobres em vez da redução ou eliminação das propinas é precisamente a convicção de que se trata de alternativas e de que no pagamento máximo por todos não se toca.
Foi agora nas propinas, mas era já no Serviço Nacional de Saúde ou na Segurança Social. Aí a direita é mais ardilosa. Afirma que é injusto que quem tem mais não pague mais por cuidados de saúde. Diz que deve haver um teto máximo de descontos para a Segurança Social, acima do qual quem tem mais desconta para contas privadas. Mas a essência é a mesma: uma política para pobres e outra política para ricos, sendo óbvio que essa dualidade nunca resulta em qualidade acrescida (nos hospitais, nas reformas ou no Ensino Superior) para os pobres mas sim para os ricos.
Não significasse isto uma recusa da universalidade das políticas públicas de um Estado Social digno desse nome, e o PSD ainda vem acrescentar o mais cru dos argumentos populistas: os pobres não devem pagar, com os seus impostos, a garantia dos direitos de quem tem mais. Populista sim, porque o argumento tem um evidente avesso: se os pobres não devem pagar impostos para garantir os direitos de quem tem mais, porque há de quem tem mais pagar impostos para garantir os direitos dos pobres? Quer dizer, para esta direita é a própria noção de bens públicos e de uma fiscalidade progressiva universal para os garantir que é de refutar. Em última análise, o que este bizarro argumento contesta é, portanto, a própria base da coesão social que é o pagamento de impostos por todos. Pois o que aqui se vislumbra é que cada um deveria apenas pagar para ter os bens que o seu rendimento permite alcançar sem cuidar dos bens dos outros. Isso de sermos todos proporcionalmente responsáveis por todos é coisa que a direita não gosta. E, obviamente, não é por causa dos pobres.
(Artigo publicado na VISÃO 1340, de 8 de novembro de 2018)