Embora o termo “tolerância” esteja nos manuais do politicamente correcto, a verdade é que o seu significado não é o melhor para aplicar ao fenómeno religioso, no sentido da sã convivência entre pessoas de credo diferente.
Com efeito, a palavra vai buscar ao Latim o significado de suportar ou aguentar. Assim, é muito diferente dizer que se tem tolerância à dor ou que se tolera uma religião diferente da nossa. Está presente, na pessoa que tolera algo, um juízo negativo da coisa tolerada, ou porque se considera tratar-se duma ideia falsa, um erro, ou duma atitude incorreta, mesmo algo inconveniente ou perigoso, todavia o tolerante não se opõe abertamente nem age contra a coisa tolerada, não impedindo a sua expressão ou concretização, mesmo que pense que os outros estão errados.
A tolerância é, portanto, diferente de concordância ou aprovação. Tolerar não é o mesmo que concordar e também não é indiferença mas complacência. Eu tolero o diferente por respeito pela autonomia da pessoa ou devido à necessidade de manter com ela uma coexistência pacífica, entre outras razões.
Segundo Harry Gensler, o relativismo cultural torna-nos mais receptivos a aceitar outras culturas, aquilo que é diferente e, portanto, mais tolerantes, tentando compreender o ponto de vista dos outros. Mas vai uma grande distância entre tolerar uma expressão de fé diferente – ou a ausência de fé religiosa – e aceitar essa mesma expressão considerando-a desde logo tão legítima como a nossa. Durante muitos anos Portugal tolerava o culto protestante dentro das suas fronteiras mas limitado aos cidadãos estrangeiros, porque se considerava a religião católica como integrante da identidade nacional. Não ser católico era o mesmo que ser anti-patriota e mau português. Depois, com a lei de liberdade religiosa de Marcelo Caetano, em 1971 (Lei nº. 3/71), veio a tolerância institucional mas não a aceitação, a qual pressupõe uma igualdade de oportunidades que em boa verdade nunca existiu, nem mesmo depois da lei gizada em regime democrático num governo de António Guterres, em 2001 (Lei nº. 16/2001).
Desidério Murcho entende que ser tolerante é defender as pessoas que têm ideias falsas, idiotas ou inaceitáveis e atacar essas ideias: “não é atacar as pessoas para evitar o incómodo de provar que as suas ideias são falsas. E, se tais ideias nos ofendem, paciência. Não é possível garantir a liberdade de expressão e ao mesmo tempo garantir que não seremos ofendidos.”
Porém, a tolerância pode ser, porventura, a maior inimiga da aceitação.
Segundo um estudo do Pew Institut Center, um instituto independente, com sede em Washington, que procurou conhecer a disposição dos cidadãos europeus em relação a questões religiosas, os europeus de Leste e da Europa Central estarão menos dispostos do que os ocidentais a aceitar muçulmanos ou judeus como membros potenciais da sua família ou como vizinhos. Esta pesquisa inquiriu 56 mil pessoas entre 2015 e 2017.
Talvez estes dados não nos devam causar estranheza, pois é hoje amplamente reconhecido que a expulsão dos judeus em Portugal (1496) e em Espanha (1492), assim como a conquista de Granada pelos reis católicos, no mesmo ano, constituíram um retrocesso civilizacional na Península Ibérica e uma perda cultural assinalável no desenvolvimento de Portugal e Espanha. Talvez por isso o estudo aponte que mais de 70% de portugueses e espanhóis aceitem que muçulmanos e judeus façam parte da sua família, com tendência para aumentar entre os mais jovens, sendo ultrapassados apenas por países do norte da Europa. Já nos países da Europa Central e Oriental, menos da metade dos adultos dizem que estariam dispostos a aceitar muçulmanos nas suas famílias, o que talvez explique o emergir da extrema-direita. São também esses povos que, tendo consciência de que não são perfeitos, consideram a sua cultura superior à dos outros.
No fundo, a tolerância é um conceito enganador, uma vez que não significa aceitação da diferença, muitas vezes em razão da ignorância e dos medos gerados por ela. Umberto Eco dizia que o inimigo é sempre feio, porco e mau, mas nós precisamos dele para, no confronto com o estrangeiro, testarmos a nossa identidade e afirmarmos uma pretensa superioridade. Segundo os manuais escolares lusitanos, só a padeira de Aljubarrota despachou uma mão cheia de castelhanos, e há uns séculos nós aviávamos sempre grandes tareias a nuestros hermanos.
A melhor barreira social e política contra os populismos não é a tolerância mas a capacidade de aceitação mútua, no respeito pela diferença, também em matéria de fenómeno religioso, mas salvaguardando sempre os valores da liberdade e dos direitos humanos.