A discussão sobre a possibilidade de antecipar a reforma com 40 anos de descontos, que acaba de passar por nós, é tristemente ilustrativa do ajoujamento em que vivemos.
E é também demonstrativa de quem discute e como se decide a política hoje, neste canto mais ou menos protegido da vida, abrigado no Hemisfério Norte.
Os protagonistas estão confinados, para começar, à geringonça. A união das esquerdas faz tanto barulho para se justificar, que absorve todas as discussões. O tema, como tantos, existe por ser objeto primeiro de folclore e depois de querela entre os parceiros da maioria, a propósito de um OE que foi sendo anunciado com o regabofe de um programa de uma associação de estudantes pelos pequenos partidos da maioria.
Na substância, o crescimento da economia, mesmo se anémico dentro do ciclo europeu de expansão que o empurra, permite escolhas. E a discussão na geringonça está resumida à luta de uns quantos, poucos, mais assisados, no Governo com os partidos mais à esquerda por escolhas que ainda tenham algum pingo de sustentabilidade.
Neste caso, todos anunciaram o fim do fator de sustentabilidade para quem antecipa a reforma por atingir os 40 anos de descontos. Até com picardias, para não variar, entre e Bloco e o PCP a ver quem sacava o gelado maior ao pai. É assim a vida, Bloco e PC não governam, nem pagam dívida. São, como dizia o agora PM, partidos de protesto. Fazem o seu papel, que não é, seguramente, o de avaliar escolhas ou políticas duradouras. Problema mesmo são os ausentes de quem se espera mais…
No fim da coisa, Vieira da Silva, um homem inteligente, competente e, estou convencido, bom servidor da República, veio explicar que, com a mudança, tinha de haver, de resto, de acordo com o que já escrevera, outros limites. Que, então, seria preciso chegar aos 60 anos já com os tais 40 de carreira contributiva.
E assim era a norma que escreveram no fim da conversa. O Bloco e o PC, quando acordaram na polémica, só lá queriam ver outra coisa para que a fragilidade ou incompetência dos que negociaram não resultasse tão óbvia, mas a norma era cristalina.
O tema, entretanto, ganhou visibilidade de sorte a convocar a famosa habilidade do nosso grande remodelador, que enfiou no saco do costume o bom senso do seu ministro.
E que saiu? O costume: o híbrido mais elástico que estiver à mão. A possibilidade de tudo acomodar: um período transitório que uma bondosa e sábia comissão virá dizer como funciona (a parte do comité de sábios ainda não está mas é só uma questão de tempo, acreditem em mim).
Se o leitor só vê aqui mais uma trapalhada como a do ano passado a propósito da contagem do tempo para os professores, vê bem. Mas provavelmente já nem se lembrava, não é?
São assim os dias hoje, com os jornais cada vez mais reflexo das redes sociais e as redes sociais cada vez mais reflexo da intolerância e da gritaria de uma minoria que berra tanto que acaba por nos condicionar mais do que devia.
Mas esta minoria gaiteira perora sobre tudo porque o silêncio dos moderados começa a ser a triste regra. A discussão, como tantas, passa sem que os partidos de quem se espera razoabilidade, sustentabilidade ou bom senso sequer abram a boca.
A oposição parece ter medo de afirmar o que quer que seja de assisado e perder popularidade. Ninguém dos partidos que sabem o que custou o endividamento parece ser capaz de oferecer alternativa. A escolha é entre quem faz banzé e quem, para aguentar a maioria, precisa de os aturar.
Depois de anos consumidos pelo eterno diálogo entre receita e despesa, acusados de mais nada terem para dar, os partidos de direita precisam mesmo de começar a fazer-nos ver que o seu mundo é diferente desta tolice sem rumo em que o Dr. Costa nos apascenta.
Como escrevia Goethe: quanto mais profunda e seriamente uma pessoa se adensa nos problemas, mais difíceis são os que vão surgindo.
Mas não desistam, o País tem uma enorme maioria de pessoas moderadas e razoáveis à espera do vosso esforço