Casa Branca é a estação de comboios de transbordo de passageiros do intercidades Évora-Lisboa para a automotora regional que segue até Beja. A 3 de agosto, entre Alvito e Vila Nova da Baronia, a composição avariou-se, as luzes e a ventilação desligaram-se e os passageiros viveram momentos de pavor. Após longa espera sem água nem comida, sob um calor insuportável e sem informações, alguns percorreram 4 km a pé até à estação mais próxima, outros aguardaram pelo transporte alternativo e chegaram a casa de madrugada. Nos últimos dias, a profunda degradação e a iminente rutura do transporte ferroviário ganharam dimensão mediática, mas o problema é antigo, gravíssimo e desde há muito denunciado pelo PCP.
Nada disto é ironia da estação do ano, tem causas e responsáveis concretos. Não é de ontem que a estratégia para o setor ferroviário nacional tem sido definida em Bruxelas, aprovada lá e concretizada cá por PS, PSD e CDS. Tal só torna mais hipócritas as lágrimas de crocodilo de dirigentes do CDS e do PSD tão empenhados numa privatização da CP anunciada e a bom tempo derrotada.
O atual Governo deve investir na modernização e na manutenção da linha férrea existente e na contratação dos trabalhadores necessários, pois mais do que anúncios de investimentos estratégicos à boleia do “Portugal 2030”, urge concretizar os investimentos do “Portugal 2020”. De resto, não lançou um único concurso para a aquisição de material circulante, manteve o bloqueio à contratação dos trabalhadores operacionais necessários nas empresas ferroviárias e continuou o desmantelamento da engenharia ferroviária pública e a subcontratação cada vez mais internacional, insistindo na sangria de recursos públicos para as PPP.
Nos últimos 30 anos, o País perdeu 1 500 km de caminho de ferro, 19 000 postos de trabalho no setor e 43% de passageiros/km, e o “sucesso” da estratégia de Bruxelas tem sido proporcional ao desastre em que se encontra a ferrovia nacional. Os constantes atrasos, supressões e redução de oferta agora concretizados não são danos colaterais, antes são o resultado inequívoco de opções contrárias às necessidades das populações e do País. A opção pela venda e pela concentração capitalista do transporte ferroviário, pela degradação da soberania dos estados periféricos, pela negação do direito à mobilidade e pela precarização das relações laborais é desastrosa.
Quem ganhou com isto? A Siemens alemã comprou o essencial das empresas fabricantes e adquiriu a principal rival (a francesa Alstom), e a DB alemã construiu um dos maiores impérios de operadores ferroviários do mundo, dominando o transporte ferroviário de mercadorias na Europa e presença significativa na gestão da infraestrutura e no transporte de passageiros em vários países – só em Portugal detém 100% da Arriva (Transportes Sul do Tejo e Metro do Porto) e 30% da Barraqueiro.
As opções não se esgotam entre a privatização e a rutura. Outras soluções passam pela reconstrução de uma empresa única, nacional e pública para todo o setor ferroviário, devolvendo coerência e articulação ao setor, instrumentos estratégicos ao Estado e condições de desenvolvimento ao País. Obviamente isso exige outra política que assegure serviços públicos fiáveis e de qualidade.
(Artigo publicado na VISÃO 1329, de 22 de agosto de 2018)