Advertiu-me há dias um responsável do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de que a não flexibilização da lei em matéria de imigração é a forma mais eficiente de combater na base a ação das redes de criminalidade transnacional organizada. Tem razão. Como razão tem também o primeiro-ministro quando advoga, como princípio fundamental de uma boa política de imigração, que “temos de criar canais legais para não continuarmos a alimentar os canais ilegais”. É por achar que ambos têm razão que entendo que os Vistos Gold devem ser eliminados.
Os Vistos Gold são o rosto do que é uma lei excessivamente flexível em matéria de imigração. Dá-se uma autorização de residência a quem tem um certo montante – nem mais um requisito. Ou seja, na verdade não se dá, vende-se. Como se se anunciasse: “VENDEM-SE AUTORIZAÇÕES DE RESIDÊNCIA. 500 MIL EUROS CADA.” E, claro, como me dizia o responsável do SEF, as redes criminosas detetam logo o mínimo sinal de fraqueza da lei e exploram essas fraquezas sem hesitar. As redes de branqueamento de capitais e os corruptores endinheirados sabem que um Estado que vende autorizações de residência é, por definição, um Estado fraco, um lugar adequado para lavar dinheiro ou desviar capitais sem problemas por aí além e uma porta de entrada para o apetecido espaço económico europeu.
Os Vistos Gold não são aquilo a que António Costa chama “canal ilegal”, mas são um canal legal para a ilegalidade. E a questão que se põe é a de saber se António Costa quer alimentar os canais ilegais que esta legalidade espúria abre e sustenta. Aliás, a António Costa e ao País inteiro exige-se que avaliem se os usos legais dos Vistos Gold são, eles também, proveitosos. Queremos mesmo um instrumento de política de imigração que alimente a especulação imobiliária? Queremos mesmo acolher imigrantes cujos luxos ajudam a tornar incomportáveis os preços da habitação para os mais pobres e para a classe média nas nossas áreas metropolitanas?
Se o que está em jogo na política de imigração é criar canais legais que nos permitam não continuar a alimentar os canais ilegais, então o que urge mudar é a perpetuação de um contingente de mais de 30 000 imigrantes irregulares em Portugal. Manter estes imigrantes – que aqui trabalham e que aqui descontam para a Segurança Social – em condição de irregularidade durante meses e mesmo anos é um canal aberto para a violação grosseira de direitos básicos dessas pessoas, uma denegação de condições mínimas de decência a quem quer aqui trabalhar e constituir uma vida digna para si e para os seus. Assim se alimenta a ilegalidade, portanto.
Claro que a regularização expedita de quem faz de Portugal o lugar de reconstituição da vida tem inimigos certos. Um trabalhador de uma estufa de morangos ou da apanha da azeitona que, por estar irregular em Portugal, se sujeita a jornadas de trabalho sem limite ou uma empregada doméstica que, por estar irregular em Portugal, se sujeita a ganhar um salário de miséria são muito mais desejados do que um imigrante cujo visto no passaporte lhe dá a tranquilidade de poder reivindicar direitos e recusar patifarias. Mas é essa escolha que quem apregoa a superioridade da legalidade sobre a ilegalidade tem de fazer, em nome do País. O teste da coerência do credo numa política de imigração que dê prevalência à legalidade sobre a ilegalidade é a eliminação dessa porta aberta à ilegalidade que são os Vistos Gold e é um regime de atribuição de autorizações de residência a imigrantes que não eternize a sua espera pelos documentos que lhes permitam viver e trabalhar em Portugal com direitos e com dignidade.
O que temos hoje é uma política que fecha os olhos às redes criminosas de ricos e persegue as redes criminosas de pobres. É uma política que não tem problemas com a imigração ilegal, só tem problemas com a imigração ilegal dos pobres. À dos ricos dá vistos e não cuida de mais nada.
(Artigo publicado na VISÃO 1320, de 21 de junho de 2018)