Nas últimas semanas – tirando a campanha eleitoral do PSD que verdadeiramente só existiu em janeiro –, a atualidade política tem sido consumida por casos. Todos, sem exceção, revelam graves ou apenas hilárias façanhas do nosso governo patriótico da salganhada. E deve ser por isso que tantas vezes oiço ou leio que os “casos” são a arma possível da oposição, face ao sucesso dos indicadores económicos.
Se concordasse não vos andava aqui a maçar. Desde logo, não é a oposição que cria os casos, é a realidade. Acontece é que não estamos, nem nós nem a comunicação social, ainda habituados aos efeitos da quebra de medição introduzida das redes sociais e isso torna cada vez mais difícil o resultado na eterna questão de distinguir o essencial do acessório.
A realidade hoje é também o tempo que nos prende a atenção…Acabamos horas a fio a discutir importantes casos que não interessam e passamos ao lado de temas sérios como se de “casos” se tratassem, só porque os primeiros incendiaram mais qualquer coisa que os segundos.
Mas a política não se pode alhear do quotidiano, do que preenche a vida das pessoas. Tem é a obrigação de ser também parte dessa mediação que falta. De não correr atrás de tudo, mas não deixar passar em claro o que conta.
As últimas semanas tiveram dois casos. Um é ridículo e discutiu-se até ao limite. O outro é seríssimo e acabou sem conclusão que é a única coisa que devia suscitar reação.
O ridículo é evidentemente o tema das aparições do nosso Ronaldo do Eurogrupo na bancada da Luz. O ministro das Finanças foi apanhado a cravar bilhetes para aparecer na TV quando vai à bola e o tema lá foi assunto dois ou três dias quando não devia ter merecido mais que uma chalaça. O gesto, pouco original infelizmente, pode ser saloio mas em boa verdade basta ver como o senhor andou ufano e contente para perceber que virão dali muito mais anedotas do que crimes ou falcatruas.
Coisa completamente diferente é a pronúncia da ministra da Justiça sobre a renovação do mandato da procuradora-geral da República.
A polémica não tem nada a ver com os debates da oposição. A iniciativa ou falta dela será sempre do Governo e a polémica surge porque a ministra exprimiu a sua opinião, esquecendo-se, para começar, que só lhe cabe propor.
Sucede que, por muito bem-intencionada ou acompanhada que pode estar na sua opinião, a ministra cometeu um erro. Porque a todos obrigou a constatar que a sua opinião não colhe na Constituição. E, assim sendo, o caso passou a ser político e de primeira ordem.
Trata-se, simplificando, de saber se um governo que tem nos postos-chave os mesmos do tempo de Sócrates pode dar o passo de, sabendo ser possível legal e constitucional, não reconduzir Joana Marques Vidal.
E se à ministra se perdoa que, num tema destes, não tendo orientação, responda com uma convicção, António Costa não se pode esconder atrás de uma opinião jurídica que se constatou errada. Um primeiro-ministro não tem esses luxos. Sobretudo porque a razão que recomenda o princípio da não renovação – o PGR não deve ser condicionado na sua atuação por estar nisso dependente do Governo – é justamente a que agora obriga a sua recondução.
Quando se constatou que o mandato pode ser renovado e a atual titular, ao contrário dos dois anteriores, não pediu para ser substituída, nem atingiu a idade de reforma, o Governo perdeu a oportunidade de a substituir.
Neste mandato, a justiça recuperou credibilidade e a nossa democracia deu um salto em frente ao ver um primeiro-ministro a ser acusado de corrupção no exercício do cargo – arrastando consigo uma clique que julgávamos uma elite – sem qualquer tumulto ou agitação terceiro-mundista. Custe a quem custar, se não percebermos o valor disto daremos muitos passos atrás na confiança das pessoas. No fim da história, ficou clara a intenção do PS. Felizmente, a palavra final é do Presidente.
(Artigo publicado na VISÃO 1298, de 18 de janeiro de 2018)