Nos primeiros 25 anos de adesão europeia, Portugal recebeu 80,9 mil milhões de euros em fundos estruturais e de coesão. São nove milhões de euros por dia. É muito dinheiro, deve dar que pensar.
A entrada de fundos na economia portuguesa tem tido uma receção entre o espanto e a salivação, com alguma controvérsia, mas pouco de debate informado. Isso deve mudar. As recentes propostas de aprofundamento da Zona Euro propõem ferramentas de incentivo a reformas nos Estados-membros que incluem contrapartidas em termos de fundos estruturais e de reforço da assistência técnica à sua implementação. A crise das dívidas soberanas sublinhou a importância económica e política da coesão para uma Europa feita de regiões heterogéneas. Por outro lado, há uma tendência crescente para responsabilizar os decisores europeus pela boa utilização dos fundos comuns. Avaliar e discutir de forma transparente os resultados concretos dos programas europeus faz parte de um horizonte que se aproxima.
O estudo O Impacto Económico dos Fundos Europeus: a Experiência dos Municípios Portugueses, elaborado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, quer contribuir para uma discussão serena, mas rigorosa. Nele analisamos dois ciclos de apoios, o Quadro Comunitário de Apoio III (QCA III), que vigorou entre 2000 e 2006, e o Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), entre 2007 e 2013, e avaliamos o impacto dos fundos estruturais acedidos pelos municípios na dinâmica das empresas privadas e no desemprego nesses municípios e nos municípios vizinhos. A informação detalhada acerca do montante de fundos e do número de rubricas funcionais ativadas, assim como as mudanças de elegibilidade regional ocorridas entre o QCA III e o QREN permitem avançar resultados que, mais do que meras correlações, apontam para relações de causa-efeito.
E o que se conclui? Em primeiro lugar, a combinação de diversas rubricas de fundos tem maior impacto na criação de empresas e no emprego que o mero aumento dos euros acedidos. Ou seja, na margem, uma maior coordenação e melhor gestão da combinação de fundos é mais importante do que mais euros. As empresas que dão sinais de responder mais ao estímulo de pacotes de fundos bem coordenados são as pequenas empresas, com capital maioritariamente nacional, e com atividade na indústria e serviços. Em segundo lugar, os efeitos do cofinanciamento europeu de iniciativas locais ultrapassam as fronteiras dos municípios diretamente apoiados. A maior elegibilidade de um município resulta num aumento do número de empresas nos municípios vizinhos de cerca de 1,7 empresas, por cada 100 existentes. Este valor é obtido depois de expurgado o efeito do contexto demográfico, político e económico, bem como do montante de fundos e do número de rubricas acedidas pelo próprio município e pela média dos municípios vizinhos.
Estes resultados sugerem que a ênfase das políticas públicas deve afastar–se de uma contabilidade simplista dos euros arrecadados para a natureza complementar das rubricas de fundos e os efeitos externos, nos municípios vizinhos. As regiões e as comunidades intermunicipais devem tornar-se, cada vez mais, um fórum para a aplicação coordenada de fundos comuns.
Medir e testar o efeito real dos euros europeus é uma tarefa exigente, pela complexidade, e corajosa, pela novidade.
Exige transparência. Dos organismos gestores de fundos, que precisam de partilhar e divulgar dados e constituir-se parceiros de conhecimento. A gestão, publicação e difusão transparente dos dados são apenas o princípio, e é preciso começar.
Exige coragem. Para debater, apaixonada, mas rigorosamente, a relevância e as limitações das políticas públicas enquanto motores do emprego e do crescimento.
Os fundos europeus não são só dinheiro. Devem dar que pensar.
(Artigo publicado na VISÃO 1293 de 14 de dezembro de 2017)