Os europeus cultivam o silêncio a pouco mais de uma semana do referendo separatista na Catalunha. Um silêncio pesado, nervoso, apenas interrompido por frases curtas e cautelosas dos presidentes da Comissão e do Parlamento Europeu. Ambos rejeitam intervir nos assuntos internos de um Estado-membro, apesar dos recados a quem defende a secessão: “Um ato contra a Constituição é um ato contra o marco legal da União Europeia” e a independência significa começar a adesão europeia do “zero”.
Jean-Claude Juncker ainda disse que “respeitaria” um ‘sim’ ao divórcio, mas logo os seus porta-vozes esclareceram que a decisão do Tribunal Constitucional espanhol de suspender o referendo de 1 de outubro “deve ser respeitada”. Bruxelas rejeita qualquer ingerência, num cheque em branco ao governo de Mariano Rajoy. Até quando?
Na colisão entre Madrid e Barcelona, as posições radicalizaram-se de tal maneira que resta pouco espaço (se algum) para o bom senso e o diálogo. Os argumentos legalistas sobre a blindagem constitucional ou a margem para a autodeterminação de um povo deram lugar a decisões musculadas de Madrid. “Vão obrigar-nos a fazer o que não queremos”, avisou Rajoy, no dia em que arrancava na capital catalã a campanha para o ‘Sim’ ao referendo.
A polícia já monitoriza empresas gráficas, responsáveis por propaganda eleitoral na Catalunha, a justiça investiga os autarcas “desobedientes” por disponibilizarem locais de voto e Madrid aprovou, entretanto, novas medidas para controlar de perto o orçamento catalão, o que inclui os cartões de crédito dos dirigentes catalães. Para uma maior “coerção estatal” só falta acionar o artigo 155º, que retira competências a uma comunidade autónoma.
A dúvida hoje já não é se Madrid vai tomar esta medida drástica, mas como, quando e com que alcance. Até os socialistas levantaram esta semana o veto ao uso do artigo 155º, nunca usado em 39 anos de Constituição espanhola. Um dia o silêncio de Bruxelas e de outras capitais pode ter um preço alto demais – o da cumplicidade com um Estado que confisca urnas e arruína, através de multas ou penas de prisão, centenas de ‘desobedientes’ que ousaram organizar um referendo para, através do voto, deixar os cidadãos escolher o seu futuro. Esse dia está a chegar.
(Artigo publicado na VISÃO 1281, de 21 de setembro de 2017)