1 Parece evidente, mesmo para um leigo como eu, que o referendo na Catalunha vai esbarrar na Constituição espanhola que, como seria expectável, não abre a porta à divisibilidade do Estado. Constituição essa que, lembre-se, foi aprovada em referendo em 1978, também por uma maioria de catalães.
Isto dito, a intenção dos autonomistas catalães levanta, creio (sublinho o creio porque o meu raciocínio pode estar infetado pela minha manifesta ignorância jurídica), uma interessante questão política abstrata (ou pré-política, para ser mais rigoroso). E a questão é esta: dificilmente podia não ser assim. De facto, e menos que um Estado, qualquer Estado, preveja constitucionalmente a possibilidade da sua própria divisibilidade, uma declaração de independência de uma qualquer região que o integre só poderia cair na esfera do legalmente admissível se fosse precedida de … uma revisão constitucional. Sucede que uma revisão constitucional só é normalmente possível com o acordo de uma maioria qualificada dos cidadãos do Estado indiviso ou dos representantes que escolheram. Ou seja, a decisão última sobre um projeto independentista normalmente não cabe aos cidadãos que querem autonomizar-se mas é sempre da competência dos que podem oferecer-lhes a autonomia. Ou seja, em tese, um projeto independentista pode ser absolutamente legítimo (no sentido em que resulta de uma vontade esmagadora dos cidadãos de uma determinada região que quer fundar uma nova sociedade política) mas ser absolutamente ilegal (na medida em que viola a constituição do Estado de que desejam separar-se).
2 Acontece que para esta questão abstrata se aplicar no plano concreto (e para assim se suscitar um debate interessante) seria necessário que a esta pretensão ilegal correspondesse uma pretensão inequivocamente legítima. Não é o que parece suceder. Os expedientes e os atropelos processuais que conduziram à aprovação do referendo foram mais do que muitos. E se alguma coisa parece ter resultado deste atribulado processo é uma divisão mais do que exposta da sociedade catalã. O que é exatamente o contrário do que seria necessário para compensar de legitimidade um desejo que estaria sempre – por definição – ferido de ilegalidade.
3 Não é fácil fazer previsões nesta matéria. O projeto de fundar um Estado catalão independente enfrentaria sempre vários problemas. O menor dos quais não seria seguramente a potencial exclusão – ainda que temporária – da Catalunha da União Europeia, com todos os riscos políticos e económicos que daí adviriam. Mas quer parecer-me que não é esse agora o maior problema. Terão sido os próprios dirigentes independentistas catalães a enterrar, por uns tempos, e graças à arrogância com que geriram o processo, o projeto. A menos, claro está, que o governo de Espanha caia na armadilha de responder com a arrogância necessária para se transformar num inimigo comum capaz de unir o povo catalão…
4 Uma coisa é certa, como escrevia Rui Tavares esta semana: o tema é para levar a sério.
(Artigo publicado na VISÃO 1280, de 14 de setembro de 2017)