Será mesmo verdade que vivemos hoje pior, que o Mundo caminha para mais desigualdade, que a pobreza volta a aumentar, que os mais ricos estão cada vez mais ricos e os mais pobres cada vez mais pobres, que o capitalismo e a globalização estão a desfazer o tecido social?
É esta a perceção, sim, sobretudo aqui, na Europa do Sul, a sair de uma crise violenta, que se somou às nossas debilidades, obrigando a esforços dolorosos de ajustamento. É esta a perceção, sim, sobretudo agora, que lemos as explicações sobre a vitória de Trump e do Brexit, sobre o populismo. É esta a perceção, sim, porque é isso que nos repetem vezes sem conta: a globalização, o capitalismo, as fronteiras abertas, o mercado, estão a tornar o Mundo um lugar pior.
Mas será assim? E se a nossa perceção estiver errada, for preconceituosa?
Vale a pena espreitar o Our World in Data (https://ourworldindata.org/), uma publicação online que mostra como as condições de vida do Mundo estão a evoluir. O objetivo da publicação é dar uma visão geral global, com séries longas e não meras comparações anuais, e mostrar as mudanças no longo prazo, para que possamos ver onde estamos e como estamos hoje. A publicação é da Universidade de Oxford e é dirigida por Esteban Ortiz Ospina, Jaiden Mispy e Max Roser.
E o que nos diz o trabalho destes autores, sustentado, estudado, não meramente opinativo?
Diz-nos que o Mundo vive, ao dia de hoje, de forma global, um desenvolvimento sem precedentes. O PIB mundial, depois de séculos e séculos de lento crescimento ou estagnação explodiu na segunda metade do século XX e desde então vem em crescimento. E cresce também em países com altas taxas de pobreza, o que significa que está neste momento a crescer onde o crescimento, passe o pleonasmo, mais falta faz. E se uso o PIB como referencial é porque há demasiados estudos a demonstrar a correlação entre o PIB per capita e o índice de satisfação e felicidade pessoal. Não se trata de um número, apenas.
Diz-nos que desde 1980 que a taxa de pobreza mundial desce consistentemente. Em 1981, 52% da população mundial vivia com menos de 1,24$ por dia. Em 2010, essa percentagem era já de 21%, e a tendência é decrescente e já está perto dos 10%. Consequentemente, a evolução de quilocalorias consumidas per capita no Mundo tem uma tendência crescente em todas as regiões do planeta. Neste critério, comparar o Mundo em 1961 com o Mundo ao dia de hoje é verdadeiramente impressionante: milhões e milhões de pessoas saíram da pobreza extrema e têm hoje uma qualidade alimentar muito superior. E, por isso, a esperança média de vida continua a aumentar, com grande robustez. A saúde global melhorou de uma forma que era inimaginável para os nossos antepassados. Em 2015, a mortalidade infantil diminuiu para 4,3% – 10 vezes menor do que há dois séculos atrás. E estes dados são particularmente impressionantes quando consideramos o enorme aumento da população desde 1800: de 1.000 para 7.000 milhões.
Escolham-se os critérios que se escolherem, da saúde à educação, da alimentação à cultura, da justiça ao emprego, as conclusões são as mesmas: a nível global estamos a viver melhor do que nunca, nunca tanta gente saiu tão rápido da pobreza.
Todo este crescimento, todas estas melhorias, desafiam uma lógica que há séculos parecia inquebrantável: a de que para alguém ganhar, outro teria de perder. Não é assim, e os dados comprovam-no de forma avassaladora: é possível crescer ao mesmo tempo que os outros, é possível ganhar ao mesmo tempo que os outros, o crescimento não significa necessariamente desigualdade, nasce da troca, da colaboração, de permutas, de contratos. É essa interação que permite o crescimento global, que nos permite viver melhor.
O capitalismo, a globalização, a liberdade de circulação, o mercado, com todos os seus defeitos e problemas, que precisam de ser aperfeiçoados e resolvidos, permitiu algo nunca experimentado. Perante isto, porque é que 9 em cada 10 pessoas responde que o Mundo está a piorar e não a melhorar? Por que razão ganha força a ideia de que o nosso modelo não está a resultar, que nos está a fazer regredir?
Para podermos continuar a crescer, para podermos resolver os problemas que temos, e que são muitos, temos de garantir que não vamos adotar políticas erradas, que nos obrigariam a regredir. Temos de saber defender o que soubemos construir, o caminho que fizemos até aqui. Aqueles que, como eu, acreditam sustentadamente numa economia de mercado, têm a obrigação de saber explicar o sucesso desta enorme empreitada global, de saber dar-lhe um cunho aspiracional, que combata a linguagem populista ou terceiro-mundista que vive de aspirações sem resultados. É um enorme desafio político, esse, e não creio que o saibamos estar a vencer.
(Artigo publicado na VISÃo 1266, de 8 de junho de 2017)