Na época futebolística que agora finda, Sporting de Braga, Belenenses, Estoril, Moreirense, Arouca e Nacional, bem que podiam ter inscrito uma espécie de saudação-despedida à entrada dos balneários: ‘Bem-vindo, Mister, mas não desfaça já a mala’. É que isto de ser treinador de futebol já foi coisa para merecer outras reverências. Afinal de contas, não é qualquer ‘matraquilho’, acabado de chegar, por vezes ainda imberbe, que é logo tratado por ‘Mister’. Mas, já se sabe, esta coisa da precariedade no trabalho é como o sol, que quando nasce não é só para a função pública. Aliás, ser treinador de futebol em Portugal, com contrato de trabalho assinado e tudo, é um estado de saúde com prognóstico tão favorável, mas tão favorável… que não augura nada de bom.
E, se há temporada futebolística onde as entradas e saídas foram um verdadeiro rodopio, esta foi uma delas, ou melhor, a maior delas. Muitos entraram tão depressa como saíram e nem chegaram a aquecer o lugar. Houve quem treinasse duas equipas, outros que entraram pela porta grande e saíram pela esquerda baixa. Fica até a sensação que alguns só não chegaram a treinar três equipas porque entretanto o campeonato acabou. O que não faltou foram os recordes batidos esta época e, com honrosas exceções, quase todos dispensáveis. Desde logo o dos decibéis da gritaria contra os árbitros e adversários, quer fosse através de supostas cartilhas, de comunicados e contra-comunicados, de posts no Facebook, ou mesmo passando pela quantidade de cânticos cretinos de algumas claques. Mas, como diria Teresa Guilherme, a apresentadora de um famoso reality show – onde a especialidade, curiosamente, também era a lavagem de roupa suja -, ‘isso agora não interessa nada’.
Onde esta Liga bateu também um recorde negativo foi na mudança de treinadores. E isso talvez mereça uma reflexão, até porque o resto dificilmente terá remédio. Numa prova com 18 clubes foram 19 (!) as trocas de treinador. E se levarmos em conta que cinco equipas – os três “grandes” e os dois Vitórias – mantiveram as equipas técnicas até final da temporada, as outras fizeram-no por uma ou mesmo duas vezes.
Os resultados de tanta troca e baldroca foram para todos os gostos. Uns melhoraram, como sucedeu com o Marítimo, de onde saiu o brasileiro PC Gusmão para a entrada de Daniel Ramos, tendo terminado a temporada qualificado para as competições europeias. Também o Rio Ave (saiu Capucho e entrou Luís Castro), Feirense (saiu José Mota para ficar o adjunto Nuno Manta), o Boavista (saiu Erwin Sanchez e chegou Miguel Leal) e o Paços de Ferreira (depois de Carlos Pinto foi a vez de Vasco Santos) são exemplo de equipas que beneficiaram com as trocas. Entre os que se ficaram a rir no fim, o destaque vai, ainda assim, para os casos curiosos de Moreirense e Tondela. Os beirões começaram a temporada com Petit ao comando e acabaram com Pepa. Os cónegos, que tinham Pepa ao leme no início da época, foram buscar Augusto Inácio, o último campeão português pelo Sporting, e ganharam pelo caminho a Taça da Liga, o que lhes valeu o título de ‘Campeão de Inverno’. Mas após essa conquista a equipa não voltou a ganhar e entrou Petit que conseguiu a salvação, na última jornada, com uma vitória sobre o FC Porto. A par do Moreirense, entre as equipas que tiveram três treinadores na mesma época, só o Estoril conseguiu melhorar com tanta troca. Depois da saída do brasileiro Fabiano Soares veio a entrada do espanhol Pedro Carmona que só piorou o cenário mas, com o português Pedro Emanuel os canarinhos conseguiram largar os últimos lugares.
Para terminar, aqueles que também trocaram por duas vezes, mas quase sempre para pior. Destaque natural para o Sporting de Braga, clube habituado a conseguir vaga nas competições europeias e que não há muitos anos lutou pelo título até à última jornada. Cheio de expectativas, como de costume, António Salvador, o presidente, apostou em José Peseiro para começar mas logo decidiu mudar o rumo e foi ‘roubar’ ao Chaves o treinador-sensação. Jorge Simão, esse mesmo do penteado todo para trás, à la Clarke Gable, e que, apesar dos parcos resultados, teve uma memorável conferência de imprensa de antevisão de um jogo em que falou de conversas com uma miúda num bar e como esta lhe foi ‘desviada’ no fim por alguém menos dado à posse de bola e mais às transições ofensivas.
Mas depois tocou a sineta a anunciar o fim do bar aberto e quem acabou a pagar a despesa foi Abel Ferreira, vindo da equipa B.
Depois, claro, há ainda o Belenenses, com um campeonato-caranguejo mas ainda assim relativamente tranquilo e, por fim, os dois azarados a quem saiu o palito mais pequeno. O caso do Arouca foi o mais dramático mas o certo é que, desde que o presidente levou umas baforadas de Bruno de Carvalho em Alvalade, parece ter deixado de ser ‘bocejado’, como diria Jorge Jesus, pela sorte. Após a saída de Lito Vidigal – a exemplo de Jorge Simão, quando este deixou o Desportivo de Chaves rumo a Braga, foram os únicos que não foram alvo de chicotada psicológica – foi sempre a descer até à II Liga. Nem Manuel Machado, com um incrível registo de cinco derrotas em cinco jogos, nem Jorge Leitão, conseguiram evitar a descida, confirmada na última jornada. E por último, respeitando a tabela classificativa, o Nacional. Um clube já com história feita na I Liga e que começou com o Manuel Machado, uma espécie de ‘Arsène Wenger’ do clube. Mas o presidente Rui Alves achou a meio que era desta que o longo ciclo do professor estava esgotado e entregou a pasta a Jokanovic. O sérvio foi sol de pouca dura, logo substituído por João de Deus, com quem o clube acabou por confirmar a descida ao inferno da II Liga.
E pensar que o famoso Neném Prancha, roupeiro, massagista, olheiro e técnico do futebol brasileiro, que ficou com a alcunha de ‘Filósofo do Futebol’, achava que o penálti era “tão importante que quem devia cobrar era o presidente do clube”. Mal ele imaginava que a especialidade de muitos dirigentes é mandar bolas fora e, por este andar, nunca mais saíamos daqui. Por certo até ele concordaria que hoje o melhor seria atirar a moeda ao ar. Até porque o futebol é mesmo assim.