Depois das lágrimas vertidas e da potência invertida, um espelho tomou o lugar do real e revelou-lhe que o noticiário era afinal sobre a sua vida. Ela, que se indignava com o fechar de fronteiras e com o uso do medo como justificação, percebia agora que vivia um processo interno semelhante, fechando-se aos que a rodeavam, desconfiando, sempre na defensiva, sempre em busca de indicadores de um possível ataque.
Olhou para o caminho que a levou até ali, ao reino da lição aprendida demasiado bem. Foi a vida que a forçou, por uma série de processos, a despir a ingenuidade. É que ela imaginava o mundo todo igual a si. Por não a entender, não acreditava na maldade. Pensava que todos eram naturalmente bons, ainda que pudessem falhar, e que toda a gente sabia que querer o mal de outros era fazer mal a si mesmo.
Aprendeu a custo que estava errada. Os humanos ainda não estavam todos com o coração afinado e, por isso, era preciso proteger-se. Colocou as lições no bolso e a armadura, mas algo estalou no centro do peito. Ganhou medo e fechou as fronteiras do eu. Não deixou de dar, mas deixou que o medo ganhasse controlo e a impedisse de receber o que quer que fosse, bom e mau. Podia compreendê-lo agora, ao vê-lo devolvido pelo espelho de um noticiário.
Na cabeça um salto causal nasceu: estaria ela a repetir um padrão do momento global presente ou, para infelicidade sua, a promover no mundo o que não queria através disto que sentia? Porque não conseguiu optar por uma, aceitou que o mais provável era que estivessem as duas hipóteses correctas, e entendeu o tomar de consciência como o primeiro passo para o fim desta condição.
Confiar em alguém era afinal uma coisa muito poderosa. Ligar-se a outro humano tinha a capacidade de colocar em movimento o amor, tal como a desconfiança se propagava como um vírus. Proteger o coração era mantê-lo puro, não fechado, manter longe o medo e a intuição sempre acesa para ouvir o alerta quando fosse preciso, mas fazer da regra confiar. Era no que sentia que estava a chave para mudar o todo.