Sempre que falamos na qualidade da democracia, vulgarizou-se citar a célebre frase de Winston Churchill (Câmara dos Comuns, 1947): “Indeed it has been said that democracy is the worst form of Government except for all those other forms that have been tried from time to time.” Mas a democracia representativa tal como foi concebida no mundo ocidental do século XIX encontra-se hoje perante desafios novos e importantes.
Em Portugal, o grau de satisfação com a democracia atingiu o seu nível mais baixo em 2013 (numa escala de zero a quatro, 1,8 em 2013 contra o seu nível mais alto de 2,8 em maio de 1987 e 2,3 em dezembro de 2015). A confiança no Governo é apenas de 15% e no Parlamento é de 19% enquanto nos partidos políticos é de 11%. Apenas 4% dos portugueses acusam participação em partidos políticos e associações cívicas. As taxas de abstenção são altas há várias eleições. O interesse pela política é relativamente baixo por comparação com os restantes países da União Europeia (2,1 em quatro). Todos estes indicadores referem-se a dezembro de 2015 e estão disponibilizados no Portal da Opinião Pública (POP) da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Perante estes dados tão sugestivos, levantam-se questões importantes. Está a democracia em crise? Que democracia é possível no século XXI? Como pode e deve a democracia ajustar-se ao mundo globalizado e mediático? Será que a democracia precisa de ser reinventada?
A tendência dos últimos 20 anos em termos de credibilidade das instituições democráticas é preocupante. Pode esta tendência ser invertida e a credibilidade das instituições políticas ser recuperada? A resposta a esta pergunta deve preocupar-nos a todos. Historicamente, enquanto noutras sociedades a regeneração democrática é tradicionalmente possível, Portugal, por seu lado, sempre fez a mudança institucional com uma rutura política através de revolução ou pronunciamento militar. Somos pois a primeira geração de portugueses que está obrigada a encontrar uma solução para inverter a tendência de descredibilização institucional dentro de um processo democrático.
O País político infelizmente foge sistematicamente deste debate. Por exemplo, a preocupação com a abstenção limita-se a comentários genéricos nas noites eleitorais. Já a reforma eleitoral ou novas regras de transparências no Estado, o reforço dos mecanismos democráticos ou a introdução de novos processos decisórios com alto grau de prestação de contas são conversa típica de quem está na oposição. Contudo, quando governo, vence inevitavelmente a inércia. Finalmente, a famosa abertura dos partidos políticos à sociedade civil tem tido poucas consequências objetivas na nossa vida democrática.
Ao mesmo tempo, apesar da clara falta de credibilidade dos partidos políticos segundo os dados do POP, temos o sistema partidário mais estável dos países intervencionados durante a crise das dívidas soberanas. Na Grécia, o Syriza ocupou o lugar do PASOK. Em Itália, a direita eclipsou-se depois do afastamento de Berlusconi e o populismo do M5S está em ascensão. Em Espanha, o bipartidismo transformou–se num sistema de quatro partidos onde tudo indica que o Podemos (em coligação com os comunistas) ultrapassará o PSOE. Em países como França, Alemanha e Áustria as forças da direita radical crescem e podem mesmo transformar-se no principal partido em França e na Áustria. Mas, em Portugal, o sistema partidário tradicional resiste ainda que tenha mudado o conceito de arco da governação (incluindo uma clara parlamentarização do regime em virtude dos resultados das eleições de outubro passado).
Acredito que Portugal vá atrasado na onda de mudança do xadrez partidário. Quero com isto dizer que me parece possível, mesmo inevitável, que venhamos a ter partidos novos com representação parlamentar na próxima década (e não apenas residual como o caso do PAN). Mas essa evolução, que seria natural no contexto europeu, poderá levantar causas importantes em Portugal tal como o financiamento dos partidos, acesso de novos partidos à comunicação social, partidarização da administração do Estado, combate à corrupção e ao tráfego de influências.
O futuro da democracia passa também pelo poder judicial. Por múltiplas razões, seja no foro penal, seja no foro administrativo, muitas vezes por exigência da cidadania, a intervenção dos tribunais na vida democrática foi progressivamente reforçada nas últimas décadas. Contudo a esta tendência não correspondeu qualquer melhoria da credibilidade das instituições.
Sejamos otimistas. A nossa democracia está consolidada. Mas pede regeneração. Veremos quando ela chega.