Já não é surpresa para ninguém que Passos Coelho, mau a governar, foi bom a influenciar quase toda a comunicação social. Verdade seja que o mérito não foi só dele: a moda neoliberal, convertida em pensamento único, faz coro com Berlim e com Bruxelas, com o mesmo entusiasmo com que alinhava com a América de Bush e deprecia a de Obama…
Não é de estranhar, pois, que se leia e se ouça diariamente um coro de críticas e protestos contra António Costa, o seu governo e a maioria que o apoia. Passos dixit!
Considero útil apresentar na VISÃO – um raro bastião da liberdade de imprensa – uma análise alternativa.
Recordemos cinco momentos decisivos:
1. Eleições legislativas: PSD e CDS defenderam, até à exaustão, que as tinham ganho e, por isso, tinham o direito de governar. Não perceberam que este direito só pode ser exercido por quem tiver maioria parlamentar (quer de apoio, quer de não-rejeição). Protestaram vivamente contra um governo apoiado pela maioria de esquerda, e até lhe chamaram “ilegítimo”. Mas ele era tão legítimo, tão democrático e tão irrecusável que até o Presidente da República, contrariado mas cumpridor da Constituição, o nomeou e lhe deu posse!;
2. Eleições presidenciais: foram ganhas, e bem ganhas, por Marcelo Rebelo de Sousa. Não pelo PSD de Passos Coelho, que não queria Marcelo, nem pelo PS, que se dividiu inutilmente;
3. Últimas sondagens: a imprensa favorável a Passos apresentou o PSD e o PS como tecnicamente empatados, mas esqueceu-se de dizer, por um lado, que o PS sozinho já aparece à frente do PSD sozinho – o que significa que nada perdeu, e até começa a ganhar, com a sua aliança à esquerda; e, por outro, que a direita continua a valer apenas 40 por cento, enquanto a esquerda mantém os seus 60 (ou seja, nem o PCP, nem o Bloco, nem o PEV perderam eleitorado por causa da sua aliança com o PS);
4. Orçamento: a direita repete todos os dias que a proposta não presta, que as previsões são irrealistas e, até (pasme- -se), que há um “grande aumento de impostos” – isto dito pelos mesmos que, no governo anterior, decretaram um “enorme aumento de impostos”, o maior de sempre na nossa história financeira! E, é claro, os jornais, rádios e televisões seguidores do pensamento único garantiam-nos todos os dias que aquele Orçamento não passaria em Bruxelas. Contudo, o imprevisto aconteceu: com as inevitáveis alterações que sempre resultam de qualquer negociação, a Comissão Europeia e o Eurogrupo aprovaram, pela primeira vez (desde a criação do euro), um orçamento social, e não um orçamento neoliberal! Não há ninguém com coragem para o dizer?;
5. TAP: a direita achou por bem privatizar a TAP, coisa que muitos dos seus eleitores tradicionais detestaram. O PCP e o Bloco queriam a nossa companhia aérea cem por cento pública, o que era financeiramente inviável. O PS, discordando da privatização, também não concordou com a renacionalização integral. Afirmou sempre que o seu objetivo era repor o controlo estratégico da TAP nas mãos do Estado, sem prejuízo de a gestão da empresa continuar a ser privada. Precisou o Governo de recomprar mais de 50 por cento da TAP? Não. Nessa negociação, muito hábil e bem sucedida, aceitou os 50-50, mas ficando o Estado com voto de qualidade (ou de desempate) nas matérias de interesse estratégico. Brilhante!
Em resumo: nos cinco principais pontos de divergência entre os líderes dos maiores partidos portugueses, a vantagem, ao fim de dois meses e meio, vai em 4-0 a favor de Costa. Os que votaram nele têm razões para estar satisfeitos.
Que o Orçamento seja rapidamente aprovado, e venham depressa as medidas de carácter social – eis o voto de, pelo menos, 60 por cento dos Portugueses.