Há uma questão que, por mais simples que seja, merece uma reflexão aturada e partilhada: educar para quê? Na ausência de uma definição mais rigorosa e adequada, costumo conceber a educação como o processo de capacitação das novas gerações para os problemas do presente e, muito particularmente, aqueles que julgamos serem os problemas do futuro.
Os sistemas nacionais de ensino continuam, especialmente em sociedades abertas e democráticas, a prosseguir três tipos de finalidades que estão formuladas desde o século XIX: educar pessoas na integridade do seu desenvolvimento, formar cidadãos livres, autónomos e responsáveis e capacitar futuros profissionais.
Os sistemas educativos não se podem limitar a formar mão de obra para o mercado de trabalho, mas não podem ignorar a importância dessa terceira dimensão. A relação entre capital humano e desenvolvimento económico tem merecido uma atenção redobrada de economistas e decisores políticos, sendo também redobrada a crítica dos que se insurgem contra as “visões economicistas”.
O que explica esta atenção redobrada? À falta de melhores argumentos dividem-se as diferentes teses entre os que atribuem à globalização o papel de motor dessa mudança, os que veem nas organizações internacionais (OCDE, UNESCO, Banco Mundial, etc.) um enorme poder de regulação e condicionamento, ou mesmo os que a consideram a expressão do diktat da ideologia neoliberal cada vez mais dominante.
Sem menosprezar aqueles argumentos entendo que eles estão excessivamente concentrados sobre processos e consequências e menos sobre a natureza profunda dessa mudança.
Desde a década de 50 do século passado que as teorias do capital humano e da modernização deram especial atenção ao papel que a educação poderia desempenhar na superação dos bloqueios ao desenvolvimento, bem como na elevação dos níveis de produtividade da economia. Teorizadas as relações entre aquelas categorias, identificam-se, nas últimas décadas, novas tendências que importa considerar.
A mais importante dessas novas tendências centra-se no papel desempenhado pelo conhecimento na criação de riqueza.
Ou seja, o conhecimento deixou de ser um mero bem cultural de apropriação restrita para se tornar um bem transacionável e massificado pela globalização.
O sociólogo americano Daniel Bell, talvez o primeiro teórico da sociedade do conhecimento, identificava, na década de 70, o conhecimento teórico codificado como o elemento central na estruturação das sociedades pós-industriais. Bell conseguiu perceber e problematizar antecipadamente o que os tempos mais recentes viriam a consagrar.
Quando falo de conhecimento como bem transacionável entendo-o sob três formas distintas:
1. O conhecimento incorporado na tecnologia, como a forma mais elementar de criação de valor através do fator capital;
2. O conhecimento incorporado nas mercadorias e serviços, aumentando cada vez mais o seu peso na cadeia de valor (inovação, design, marca, materiais complexos, etc.);
3. O conhecimento e as competências adquiridas pelas pessoas, que não sendo transacionáveis, são cada vez mais mobilizáveis à escala global, quer através do aumento da mobilidade do fator trabalho altamente qualificado quer através do desenvolvimento de redes globais de investigação e de inovação.
É neste contexto que a educação nos diferentes países ganhou um valor estratégico que jamais alcançara. Nunca, como no presente e cada vez mais no futuro, o investimento em educação se tornou tão decisivo: ele poderá fazer a diferença entre o atraso irremediável e o desenvolvimento indispensável ao bem-estar das populações. Importa, por isso, olharmos a educação como um capital que não poderemos desperdiçar nem destruir porque sendo um bem escasso e valioso ele assegura um futuro mais consentâneo com as legítimas expectativas das novas gerações.
Por isso tem todo o sentido avaliarmos como estamos a constituir esse capital, quais as potencialidades e limitações que esse processo revela e centrar a nossa atenção nas aprendizagens e nas escolas. Estas são o espaço privilegiado de formação desse capital e o foco do nosso olhar: analisar e comparar resultados, identificar e avaliar processos, ponderar e contextualizar recursos.
O acesso a informação estatística sobre os sistemas de ensino e o desempenho das escolas está mais facilitado. Dispomos igualmente de um número crescente de investigadores que processam essa informação e produzem novo conhecimento indispensável à melhoria da eficácia das políticas educativas.
Felizmente começam a surgir fora da academia e dos centros de decisão política, instituições que investem na produção de conhecimento sobre o desempenho escolar e na reflexão alargada sobre o seu desenvolvimento. O caso do “Mês da Educação” promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos é um bom exemplo de como o apoio à investigação e ao debate da temática da educação pode esclarecer e mobilizar todos os que se interessam pelo futuro das novas gerações.