Já ouvi tantas versões sobre a origem da maldição “que vivas tempos interessantes” que desisti de saber qual a sua origem. Tenho para mim que alguma coisa se perdeu na tradução, ou na adaptação, ou terá sido apenas o correr do tempo. É que houve tempos muito interessantes em que foi tudo menos uma maldição tê-los vivido. Momentos de conquista de direitos, de vitórias da paz, de consagração de princípios, que se julgavam irreversíveis, de triunfos da democracia sobre autocracias, do culminar de longas lutas em que o respeito pela dignidade venceu.
Eu vivi tempos muito interessantes. Estava na quarta classe quando foi o 25 de Abril. Vi depois o meu país a absorver, sem problemas de maior, quase um milhão de portugueses regressados de África, a erradicar as barracas, as crianças a irem todas para a escola, as pessoas a terem acesso a cuidados de saúde sem terem de pagar. Já estava no liceu quando foi consagrado o direito ao divórcio e à igualdade de direitos – na lei – entre homens e mulheres. Era crescido quando deixámos de ser um País-pária e entrámos na CEE. Assisti à concretização de direitos cívicos fundamentais, como a IVG, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e outros de igual importância.