Li há uns dias no Público que os alunos que frequentam o segundo e terceiro ciclos, nos Açores, passarão a ter como disciplinas obrigatórias História, Geografia e Cultura do arquipélago. Acho muito bem que os açorianos conheçam como ninguém a sua terra. Tarde realmente é o que nunca chega! Acrescento que seria interessante ter, no currículo das escolas de todo o país, o estudo dos arquipélagos portugueses.
Se a disciplina criada para os Açores, de caráter obrigatório, se estendesse, mesmo que de forma mais abreviada, a todo o país, os açorianos ficariam, digamos em tom de brincadeira, reparados de uma maldade que lhes fizeram há umas dezenas de anos e durante muito tempo. Refiro-me ao estudo de todos os rios do território português e de seus afluentes, embora os ilhéus não soubessem o que era um rio; estudo de todas as linhas de caminhos-de-ferro portuguesas, embora os ilhéus nunca tivessem visto um comboio; estudo de todas as serras de Portugal continental, levando os ilhéus a desconfiar que alguma coisa de muito estranho se passaria com as serras dos Açores já que estas não apareciam nos manuais. Isto em tempos idos, mas não esquecidos.
Não defendo que os alunos do continente tenham uma nova disciplina sobre os Açores nos moldes em que esta ocorrerá nas escolas açorianas. Seria descabido. De facto, os alunos do continente e ilhas já têm muito que aprender sobre Portugal continental, rosto da Europa, fitando o Ocidente, no dizer de Pessoa; fim da Eurásia a Oeste, embora se saiba que o fim do mundo, para alguns, fica mais a norte, na Galiza, no município espanhol de Finisterra, fim da terra conhecida por tempos infindos. Mas fiquemo-nos por cá, mais a sul, “Onde a terra se acaba e o mar começa”, no dizer de Camões, portanto, no nosso Cabo da Roca, fim do continente europeu, mas não da Europa, que esta acaba como devíamos todos saber no pequeno ilhéu de Monchique, junto à ilha das Flores.
O facto é que parece interessar pouco a alguns portugueses continentais a existência de ilhas europeias no Atlântico e, na volta, interessará pouco o próprio Atlântico, exceto enquanto massa de água onde mergulham as praias em que eles se banham com os muitos turistas que pululam pela costa. Embora os Açores apareçam como pequenos pontos no planisfério da superfície da terra, são 9 ilhas habitadas por portugueses e povoadas por portugueses há pouco mais de 500 anos. Embora o seu povoamento seja muito recente, não é de menosprezar a cultura e a história das ilhas açorianas. Cultura que trouxeram consigo do continente e que mantiveram, recriaram e disseminaram pelo mundo, sobretudo, pelo Novo Mundo através da emigração. Por fim, os Açores têm uma importante história própria, da qual os açorianos muito se orgulham, integrada na história nacional.
E nesta perspetiva, sabendo os Açores parte integrante do território, da cultura e da história nacionais, embora com especificidades próprias, seria importante alargar o seu estudo aos alunos de Portugal continental. Pouco que fosse. Evitar-se-iam parte dos muitos horrores a que assistimos quase diariamente. Eles são os telejornais nacionais a noticiarem sobre “a ilha dos Açores”; a sugestão de que passageiros ou encomendas sigam de comboio de Portugal até aos Açores ou vice-versa; pensar que se passa o mar entre as ilhas a vau, etc. para enumerar apenas alguns dos disparates resultantes de muita ignorância.
Eis alguns acontecimentos da história de Portugal que são também história dos Açores. Angra do Heroísmo foi capital de Portugal por duas vezes. Entre 1580 e 1582, durante a ocupação espanhola e, em 1830, por altura das lutas liberais. Esta mesma Angra do Heroísmo foi chão de Pessoa, pois aqui nasceu sua mãe; nesta mesma cidade que é património mundial da humanidade, viveu Almeida Garrett e passou Charles Darwin nas suas viagens. A vizinha cidade da Praia foi berço do insigne Nemésio. Por seu lado, Ponta Delgada foi berço de Antero de Quental, de Teófilo Braga, de Natália Correia. A Horta deu ao país Manuel de Arriaga, o primeiro Presidente eleito da República Portuguesa. A ilha das Flores trouxe-nos Roberto de Mesquita. E outros tantos … acontecimentos e ilustres. Mais recentemente, a revolução do 6 de junho deu lugar à histórica Autonomia Constitucional açoriana, que honra a nação e que é de justiça ser estudada. Em 1748, os açorianos colonizaram o sul do Brasil, desembarcando na antiga vila de Nossa Senhora do Desterro após três longos e penosos meses de mar, influenciando sobremaneira a cultura de Santa Catarina e gerando um legado indestrutível que vem até aos nossos dias, … e houve mais, muito mais Açores.
Estudar aprofundadamente ou de uma forma abreviada a região portuguesa dos Açores é globalizar o saber dos nossos jovens estudantes açorianos e continentais, é promover a unificação do território pelo conhecimento. As ilhas dos Açores valorizam o todo nacional. E Portugal não é assim tão grande que se possa dar ao luxo de esquecer as ilhas que tem. Este fenómeno que consiste em fingir-se de morto para com as ilhas não ocorre apenas em relação aos arquipélagos. Regista-se em relação a uma parcela considerável do território português. Até se vê do espaço esse fingimento. Numa imagem de satélite noturna vê-se bem que Portugal é uma faixa estreita de luz junto ao oceano e o interior e as ilhas são manchas escuras. Um pontinho de luz aqui e ali denuncia que há gente por entre a escuridão. O atraso a que foram votados o interior e os arquipélagos por abandono trouxe-lhes a vantagem de serem regiões muito belas, quase intocáveis e merecedoras de serem minimamente conhecidas pelos milhões de cidadãos portugueses que se abrigam na costa do Atlântico Norte.