América, terra da liberdade, e de todas as possibilidades, onde cada um pode realisar os seus sonhos, não importa de onde venha. Como eu costumava acreditar nisto. E nunca acreditei tanto nisto como naquela noite de 4 de Novembro de 2008, quando Barack Obama deu o seu potentíssimo discurso de aceitação, logo a seguir aos últimos resultados darem entrada, e a acabar de ser eleito o primeiro presidente de origem Africana daquele país. O milagre da mais avançada democracia do mundo. O triunfo da esperança e da justiça.
Este homem, naqueles dias, exercia um fascínio tão marcante, como um novo Jesus enviado à Terra. Eu bebia das suas palavras e sonhava de um futuro melhor para o planeta inteiro, debaixo da liderança de alguém genuíno, inteligente, e com verdadeira empatia e profundo entendimento dos problemas que era vital resolver. E com uma mensagem sincera de esperança, falando do coração e com um carisma, como nunca tinha visto em nenhum político até então. Estive mesmo para ir até Berlim, para o ver ao vivo antes da eleição – mas para minha tristeza não deu.
Hoje continuo a admirar Obama da mesma maneira – tanta sabedoria e tanto tacto e tanto amor pelo seu próximo. Mas a America da esperança, descambou na América à beira do abismo.
Algo profundamente errado aconteceu em 2016: falta de interesse do eleitorado, desilusão pelo que ficou por fazer ou não foi possível mudar, interferência da Rússia, notícias falsas e manipulação do eleitorado no Facebook, tudo isso e mais, que permitiu que uma posição que envolve tanto poder tenha passado para as mãos da absoluta antítese de Obama. Não vou desperdiçar adjectivos para qualificar a pessoa porque outros já o fizeram melhor…
Alguém escreveu recentemente que os movimentos contestatários aos problemas sistémicos, como o racismo e o misogenismo, ficaram mais activos e têm mais impacto actualmente com a actual presidência, precisamente por este imcumbente representar os valores opostos aos de Obama; Que Obama tinha mais cuidado em abordar certos temas para evitar partidarismos e divisões. E pode bem ser que assim seja.
Vê-se por estes dias que finalmente muitas corporações começaram a olhar para as suas marcas e a limpar os sinais reminiscentes de racismo (por exemplo o arroz Uncle Ben), vê-se o crescimento do movimento BLM e vê-se que finalmente os cidadãos começaram a remover estátuas de racistas e colonizadores que não faz sentido algum continuar a celebrar, vê-se polícias a serem julgados pelos homicídios injustificados e arbitrários cometidos contra cidadãos Afro-Americanos e vêem-se propostas concretas para reformar todo o sistema policial, vê-se também a influência do movimento #metoo e os processos Weinstein e Epstein, e outros progressos que não aconteceram nos anos precedentes.
Se a actual presidência serviu para despoletar esse processo, e a mudança que todos esperam venha aí, arrancada a sangue, suor e lágrimas, então pronto. Mas ponha-se em Novembro outra vez um Democrata na presidência a implementar estas mudanças em leis, e acabe-se com esta delinquência. E dê-se algum tempo para esquecer que alguma vez este país esteve sob o controle deste irresponsável, ainda que as feridas – causadas pelo descalabro da gestão da pandemia, e consequentes milhares de mortes desnecessárias, e causadas pelo racismo transformado em espectáculo público pelas imagens da brutalidade policial – dificilmente venham a sarar tão depressa.
Eu não quero acreditar que o actual presidente tenha ainda qualquer remota possibilidade de re-eleição, por vias normais, perante um cenário em que mais de 20 milhões estão desempregados, mais de 120.000 morreram na pandemia (o equivalente a 40 atentados 9-11, e cerca de 100 furacões Katrina), e grande parte da popluação está energisada e mobilizada para o derrubar. Mas renunciar ao poder, para ele, pode significar ter que ser julgado criminalmente pelas vigarices todas com que nos tem entretido estes anos (incluindo os pedidos de ajuda para re-eleição à Ucrania e, agora sabemos também, à China).
Por isso, há mesmo ainda uma possibilidade que, não venha a haver sequer eleições livres e justas, que muitos eleitores venham a ser impedidos de chegar às urnas, ou que ele não venha a aceitar o resultado. E há também uma incerteza de como se comportarão as forças policiais, militares e para-militares perante tal cenário. Ficarão do lado da Constituição e do povo, ou do lado do proto-ditator detentor do poder? Um passo em falso e pode ir tudo pelo abismo abaixo. Adeus democracia, olá despotismo e república de Gilead…
Daqui até Novembro ainda falta muito tempo, muita mentira para ser dita, muitos tweets maliciosos, muito atropelamento da justiça, muita repressão e muita bastonada da polícia e, esperemos, menos mortes desnecessárias do que até agora. Aquilo que vai acontecer até Novembro importa. Importa para os Americanos mas também para o resto do mundo. Seria bom que os líderes das democracias livres ocidentais denunciassem o drama humanitário e o achincalhamento da democracia a que vamos assistindo, assim como o fazem perante outros dramas noutras partes do mundo. É preciso esperança que o pesadelo termine. Era bom termos mais palavras sábias e discursos inspiradores de Obama para nos fazer acreditar que há um caminho para a frente, onde tudo ficará melhor, e onde a empatia e o amor ganharão outra vez.