“É a economia, estúpido” escreveu James Carville, em 1992, como sendo uma das mensagens da campanha presidencial de Bill Clinton contra George W. Bush, numa altura em que a América se encontrava em recessão. Em 2020, o mundo vê-se frente a uma espécie de abismo e a questão coloca-se: a economia ou os cidadãos?
“Enterrar os mortos e cuidar dos vivos”, respondeu Marquês de Pombal a D. José I, rei de Portugal, quando ele lhe perguntou o que deveria ser feito após o Grande Terramoto de Lisboa. A Covid-19 não chegou a Portugal inesperadamente. Vimo-la chegar em onda desde solo asiático para varrer alguns países como se se tratasse de um tsunami. Derrubou-os da mesma forma que derrubou o gigante chinês e o gigante americano. Um vírus fez tombar as potências mundiais.
Eu, que estou a um oceano de distância, aplaudo o meu país por ter declarado estado de emergência quando muitos achavam prematuro. Eu, que deste lado via já o quão importante é atuar antes que a onda caia, para evitar que sejam os corpos a cair. Aplaudia enquanto via aqui os números escalar até transformarem os EUA no número um mundial deste pedaço dantesco da História. Quem é que, afinal, anseia ser o ator principal desta história de terror?
Eu, que estou a um oceano de distância, aplaudo o SNS do meu Portugal quando muitos ainda lhe querem atirar pedras, quando muitos preferem ver as falhas ao invés dos feitos. Eu, que deste lado lia sobre aqueles que neste solo preferiam aguardar em casa com receio dos custos exorbitantes que um sistema de saúde privado acarreta, aplaudia o SNS que não exigiu que nenhum dos portugueses tivesse de esperar que um governo decidisse abrir os seus bolsos para custear o que deveria ser um direito assegurado.
Eu que estou a um oceano de distância aplaudo os que estão em casa conscientes da sua importância. E os que têm obrigatoriamente de sair para salvar os que não podem ficar. E todos os cientistas e investigadores que há meses trabalham na busca de uma solução. Algum dia imaginaram que o simples ato de estar em casa vos poderia salvar a vida? Saberemos agora dar importância à medicina, à ciência e aos rostos invisíveis que nos mantêm o corpo a salvo, que nos permitem continuar vivos?
Eu, que estou a um oceano de distância, aplaudo o estado social do meu país. A sua segurança social. Eu, que deste lado vejo os casos crescer como um incêndio descontrolado entre a classe pobre, que não encontra neste estado um sistema que assegure os direitos básicos dos cidadãos. 10 milhões de desempregados em duas semanas. Um Portugal inteiro neste número.
Eu, que estou a um oceano de distância, aplaudo a espera ponderada antes de determinar a reabertura de um país aos ditos dias normais e cerro os dentes aos que exigem datas. Os vírus invadir-nos-ão com prazo de validade? Eu, que deste lado temo que os milhões do capitalismo sejam mais importantes que as vidas dos seus cidadãos.
Quanto vale, afinal, uma vida? Quanto vale, afinal, a economia se aqueles que a sustentam estão mortos? Em mais de sete biliões de pessoas ninguém foi capaz de derrubar um vírus invisível ou de encontrar soluções para proteger a economia enquanto se protegiam as vidas. Não nos resta, pois, senão: enterrar a economia e cuidar dos vivos.