Questionava hoje um amigo sobre o quão surreal é viver no auge da propagação de um vírus desconhecido que está a deixar o mundo em alvoroço. Rimos porque nos achámos dentro de um filme de ficção científica. Rimos porque acreditamos que, tal como nos filmes, no fim fica sempre tudo bem.
Já tive oportunidade de explicar nesta rubrica que é o “Nós lá fora” que Macau é um lugar especial. Muito especial. Por diversas razões. Milhares delas. Tantas que nem uma vida a escrever daria para vos explicar metade. E esta fase que se vive agora, sob a alçada do novo tipo de coronavírus, que o chefe do Executivo intitulou de “dura e difícil”, é só uma dessas aventuras transformadoras que Macau nos faz viver.
Mas vamos por partes porque me parece importante esclarecer alguns pontos. A comunicação social de Portugal – bem, sem generalizações – digamos então, grande parte da comunicação social de Portugal está a fazer um trabalho muito aquém das expectativas. Aliás, permitam-me lançar o pedido: parem, por favor, de instaurar o pânico com os vossos artigos que afirmam não haver água, comida, liberdade para apanhar um avião. Isso está tudo errado. Não é isso que se passa em Macau.
Não, não estamos impedidos de sair de casa ou de Macau, estamos sim em prevenção e somos aconselhados a estar em casa para nossa segurança e segurança de todos, evitando a propagação do vírus. Estamos a trabalhar em conjunto. Em equipa. Mas somos livres de regressar a Portugal – ou outro sítio qualquer – se assim o entendermos.
Não, os bens alimentares não estão esgotados e não vamos todos morrer à fome. Houve, é certo, uma corrida aos supermercados quando o Governo anunciou a extensão da dispensa dos funcionários públicos de se apresentarem ao trabalho, o que não significa que estejamos todos de férias, na verdade muitos de nós estão a trabalhar de casa. Essa escassez momentânea de alimentos nas prateleiras dos supermercados foi em poucas horas resolvida.
A única coisa que está a ser racionada são as máscaras cirúrgicas. O sistema é simples, 10 máscaras a cada 10 dias, por cada residente ou trabalhador (blue card) a 8 patacas ( corresponde – na conversão de hoje – a menos de um euro). As filas são grandes, claro – é que Macau tem mesmo muita gente.
Esclarecidos os pontos, vamos agora ao que importa. O trabalho irrepreensível do Governo de Macau. A resposta rápida e eficiente perante o cenário possível. É extraordinária a confiança que a população tem no governo e isso é das forças mais bonitas de se assistir.
É impossível negar: há quem tenha medo, quem esteja assustado. É natural em situações que nos são desconhecidas, em que o futuro se mostra tudo menos claro. É natural ter medo quando tudo o que acontece à nossa volta não é o “nosso normal”. É incomum. É desconhecido. E a invisibilidade de um vírus pode realmente assustar-nos.
No entanto, tal como vos disse no início deste texto, Macau é especial. É especial pela força das pessoas. Por esta força que em provas duras, como no Hato, como no SARS, como neste novo tipo de coronavírus, se unem, se esforçam e se ajudam. É especial porque no meio do caos mantém a calma. Todos nós sabemos isto: vai tudo correr bem. Mesmo quando o mundo parece descambar. Todos nós, aqui, nesta terra, sabemos isto, atrás de todas estas janelas e portas estamos todos a torcer pelo mesmo, estamos todos a desejar a cura, estamos todos a desejar voltar à normalidade de Macau, que de normal tem muito pouco. Mais do que isso, todos nós sabemos agora o significado de empatia. E nos sentimos ligados a Wuhan, Hubei e tantas outras zonas.
É agora, neste silêncio, nesta vida em suspenso, que recordamos e desejamos as mil pessoas nas ruas, a azafama do Leal Senado, as malas e malinhas cheias de leite em pó, bolachas e mil e outras coisas. É agora que muito desejamos voltar a ver as escadas das ruínas cheias. Insuportavelmente cheias. É agora que nos arrependemos dos dias em que não queríamos ir trabalhar. Dos dias que queríamos ficar em casa. É agora que nos rimos dos cães com máscaras. É agora que percebemos que o normal tem um sabor fabuloso.
Isto é Macau. Macau nasceu para vencer. Esta é Macau, esta pouca normalidade que nos está no sangue. É esta paixão que faz Macau este sítio especial que nos ocupa o peito de uma forma absurda.
Aguenta Macau!