Nunca compreendi expressões, ditas por amigos emigrados, como “os tugas” ou “o emigra”. Sempre as considerei abreviaturas com conotação depreciativa, a roçar o foleiro. Mas, não estando mergulhada no mundo da emigração, nunca opinei sobre o assunto. Agora que aqui estou, mergulhada a largos metros de profundida, sinto-me em posição de poder debruçar-me sobre o assunto, que de depreciativo nada tem.
Comecemos pelo início. No caso do emigrante português, estes conceitos não podem estar separados porque a sua junção é absolutamente extraordinária. O dicionário de língua portuguesa define “emigra” como sinónimo de “emigrante”. Até aqui, podemos aceitar. Agora, o “tuga emigra” é todo um conceito por si só. Não é apenas o português que “emigra ou sai da sua região ou do seu país para se estabelecer noutro”. Nada disso.
O “tuga emigra” é todo um mundo dentro da emigração. É aquele que incorpora os hábitos dos emigras, os traços da mistura das culturas, dos hábitos e tradições. Vamos retirar as aspas, e abraçar o conceito. O tuga emigra é um emigrante cheio de orgulho quando fala de Portugal, mas também o é quando fala da terra que o acolheu. O tuga emigra fala mal de Portugal, mas ai de alguém que lhe diga que Portugal não é o melhor país do mundo. O tuga emigra fala mal da nova terra, do novo país, mas cale-se quem nunca lá viveu, porque não sabe nada, nem tem direito a opinar.
O tuga emigra, com todo o gosto, já confunde o português com inglês, ou com a língua local. Esquece conceitos e dá por si a tentar traduzir palavras que já só lembra em inglês. Nessa salgalhada não lhe estranhem, por isso, quando em Portugal manda para o ar uma ou outra palavra em inglês a meio de uma frase, ou no pedido numa pastelaria. Na verdade, não é exibicionismo ou “mania que fala inglês”, é quase uma deficiência adquirida por defeito.
Mas o tuga emigra é mais. O tuga emigra partilha orgulhosamente uma fotografia no seu instagram sempre que encontra Super Bock à venda! Faz até uma festa. Assim como com qualquer outro produto alimentar. Nas visitas a Portugal, o tuga emigra perde HORAS no Modelo, Continente, Pingo Doce e derivados, fascinado e saudosista com a variedade de produtos. Vocês já viram bem aquele corredor interminável de iogurtes? E os tipos de pão? É que o tuga emigra sabe que não há pão como o nosso!
E cuidado se, do lado de cá, o tuga emigra encontra um chinês com a camisola do tão nosso CR7 ou da selecção nacional. Quase que nos pára o coração. É orgulho, olhos a brincar e sorrisos rasgados. E se no meio da Indonésia nos dizem “Kitiano Uonaldo”, dá direito a selfie com o miúdo que conhecia o nosso puto maravilha.
O tuga emigra vai mais longe e ignora o fuso horário e mete o despertador para as 4 da manhã para ver o Benfica! Se é a final, então um bar qualquer da terra sabe que terá de passar o jogo porque a malta tem de festejar.
Nos lanches, os tremoços não faltam. E quando faltam, o emigra traz de Portugal, ao lado do azeite do pai e o bacalhau que a mãe separou. Há sempre espaço para uns docinhos e outros tantos petiscos. É que até pode haver tudo aquilo na terra que lhe dá o ganha-pão, mas nenhum sabor lhe sabe tão a casa.
O tuga emigra partilha longas tardes de lanches e almoços tardios, adora uma boa esplanadinha, e há falta de melhor, o banquinho da rua chega-lhe. E se este ano não partilhaste fotografia do boletim de voto antecipado, é porque não és tuga emigra digno de carregar ao peito esse nome. Aliás, o tuga emigra escreve sobre o orgulho de ser tuga emigra, if you know what I mean!
E, agora, longe de definições e generalizações que nada mais servem para nos divertir, o emigrante português têm me ensinado que a sua capacidade de trabalho está acima da média, que consegue fazer casa em qualquer lugar do mundo, mesmo quando lhe fecham as portas, mesmo assim, ele vai à volta. Que na mesa não falta espaço para mais um, e outro e quantos forem precisos. Que a sua grandiosidade está nos braços abertos. E que o orgulho pelo seu país só o torna mais digno no respeito pelas suas raízes.
Pai prepara o azeite, mãe, compra-me aquele lençol com o teu cheiro, este Natal vou a casa!