No final de agosto, em Bruxelas, após uma reunião com os ministros dos transportes dos países membros da UE, a presidente da Comissão Europeia, anunciou a decisão da criação da Agência Europeia de Linhas Ferroviárias de Alta Velocidade (na sigla inglesa EHSRA – European High-Speed Rail Agency). Esta agência resulta da união de vários grandes operadores ferroviários estatais e terá a cargo a implementação e operação de uma ferrovia pan-Europeia que ligará todas as grandes cidades da Europa com comboios eléctricos capazes de atingir velocidades superiores a 500 km/h. Esta ferrovia, seguindo o conceito do muito bem sucedido sistema Japonês Shinkansen, terá um custo aproximado a rondar os 100 B€.
No seu discurso, a presidente referiu que este é o momento certo para começar este empreendimento colectivo a nível Europeu. “É um projecto mobilizador a todos os níveis da sociedade, que resultará na criação de milhares de postos de trabalho, e permitirá oferecer aos cidadãos Europeus uma alternativa ao tráfego aéreo com uma pegada ecológica cerca de dez vezes menor”.
Acrescentou ainda a presidente que a ideia é criar uma rede de ligação com a mesma bitola, permitindo que os comboios possam deslocar-se entre todas as cidades sem necessidade de mudar rodado ou trocar composições. Isto permitiria por exemplo fazer-se o percurso entre Lisboa e Varsóvia numa média inferior a 10 horas. O projeto procura alavancar em infraestruturas de alta velocidade já existentes mas combinando todo o tráfego de alta velocidade Europeu num único operador. Um dos responsáveis do projecto referiu que a experiência de múltiplos operadores numa única infraestrutura é ineficiente, e em vez de criar valor para os utentes apenas cria problemas resultantes de atrasos e impedimentos nas vias.
Durante a apresentação do projeto, um mapa com algumas das ligações propostas foi apresentado, que permitia ver como todas as cidades estariam ligadas. O mapa propunha ainda potenciais ligações para além dos limites da UE, como por exemplo a Moscovo, Kiev ou Istambul. O mesmo responsável afirmou que a operação do sistema seria centralizada de forma a optimizar a utilização da estrutura de forma mais eficiente. “Estamos a trabalhar com especialistas em Inteligência Artificial no desenvolvimento de algoritmos de planeamento avançados” referiu ainda este gestor do projecto.
A rede foi desenhada nesta fase de forma a evitar travessias transalpinas, o que encareceria o projecto em algumas ordens de magnitude. Numa primeria fase, seriam ligadas as cidades na região da Europa Central – no perímetro Barcelona – Paris – Berlin – Viena – Milão. E numa segunda fase extender-se-ia a ligação às cidades periféricas, como Lisboa, Estocolmo, Tallin, Roma, Atenas ou Bucareste. Cidades mais pequenas continuariam por enquanto a ser servidas pelos operadores locais. A frequência e capacidade dos comboios, e a extensão que cada composição percorre, seria planeada de forma a servir melhor os trajectos mais populares mas de forma a garantir a ligação entre quaisquer duas cidades com no máximo duas escalas e no mínimo duas vezes por dia, e a um preço não superior ao de uma ligação aérea.
Esta notícia foi recebida com muito entusiasmo junto das comunidades emigrantes. Bruno Sousa, emigrante na Alemanha há mais de 15 anos disse que para os emigrantes este aumento da oferta é bem vindo. “Muitos dos meu vizinhos alemães dizem-me que já não voam, por causa dos efeitos nocivos do tráfego aéreo para o ambiente e a sua contribuição para o aquecimento global, e eu sinto-me envergonhado de admitir que levo a minha família a Portugal em média umas 4 vezes por ano, mas quando se é emigrante é mesmo assim, a gente tem lá família e amigos”. Acrescentou Bruno ainda que “eu já experimentei ir de carro, mas é um percurso de mais de 30 horas, muito extenuante e perigoso, e acabo por perder no total quase uma semana de férias só em viagem, o que comparado com as 3 horas de avião não compensa”. Quando interrogado sobre a presente oferta em ferrovia, este emigrante responde “Esqueça lá isso, preciso também dois dias só de ida, tenho que comprar bilhetes a 4 operadores diferentes, os horários não batem, o conforto nos comboios é péssimo e custa-me três vezes o preço do avião, se conseguisse fazer o mesmo percurso em 6 ou 7 horas pelo mesmo preço, talvez considerasse ir de comboio porque tem-se menos chatice que nos aeroportos e é muito mais ecológico, o que é muito importante para a minha família”.
A presidente da Comissão diz que este sistema vai de encontro às ambições destas comunidades, mas também vai sobretudo aliviar o tráfego de negócios, responsável atualmente por uma maior percentagem das viagens aéreas feitas actualmente no território Europeu. À pergunta de um jornalista sobre porque não havia ligação ao Reino Unido, a presidente da comissão respondeu “Desde que os Britânicos saíram da EU, ficou mais fácil negociar este tipo de projetos, para além disso essa ligação fica bem servida pelas atuais infraestruturas através do Canal. Só temos pena de ainda não termos uma solução para a República da Irlanda, mas havemos de lá chegar”. Quando questionada se havia muita pressão contra o projeto por parte do lobby das companhias aéreas a presidente disse “Naturalmente há alguma pressão, mas no fim a voz dos cidadãos Europeus e a necessidade urgente de proteger o ambiente falam mais alto do que a dos interesses corporativos, terá que haver necessariamente algum encolhimento deste sector, o objectivo é haver menos vôos”…
Ora bem, isto não é uma notícia falsa por duas razões, primeiro porque este texto enganador está na realidade dentro de uma crónica, que é o que isto é, e segundo porque não é uma notícia de algo que aconteceu, mas uma profecia do que espero que aconteça.
A minha esperança é que se torne numa destas profecias, que se auto-cumprem. Começa-se a espalhar o rumor e de repente o efeito bola de neve faz com se se torne realidade.
Não sei se alguém está a olhar para esta ideia a sério nas altas esferas da política Europeia, mas espero que sim. O sistema ferroviário Europeu atual é uma anedota. Se quero ir a Portugal de avião basta pegar no telemóvel e reservar um voo em menos de 5 minutos, no entanto, para ir de comboio, não há nenhum operador ferroviário que me ofereça um preço incluindo todas as etapas e com ligações atempadas entre elas, e no fim custa-me mesmo cerca de três vezes mais que o avião, como dizia aquele emigrante da notícia falsa. Não é uma alternativa séria para uma família com crianças pequenas.
Mas, atualmente, o comboio é o meio de transporte com menor quantidade de emissões por km, por passageiro. E se a eletricidade for produzida a partir de fontes renováveis a pegada ambiental pode ser ainda mais reduzida. A tecnologia para um sistema destes existe e é bem conhecida. O sistema de alta velocidade do Japão é altamente eficiente, os comboios andam atempadamente (ao segundo) e as ligações são muito regulares (tipo a cada 10 minutos) e rapidíssimas. Devia servir de inspiração para a Europa. O ponto fundamental é que tem de ser uma rede única através da Europa e não um emaranhado de redes locais remendadas umas nas outras.
Não se pode manter uma identidade, cultura e economia Europeia se as pessoas não se deslocam, mas também não podemos continuar a suportar o impacto das atuais deslocações quase exclusivamente por via aérea e atingir as metas de redução de emissões poluentes que urge cumprir.