Tinha ouvido um mujimbo sobre a tua pouca fama. Apesar da imediata conversa de bom malandro, não caí logo de amores.
O feitiço começou a fazer efeito nas viagens em que me levaste, o meu eterno ponto fraco, desde as curvas de um verde luxuriante no extremo norte, ao deserto a tocar no mar lá no fundo sul. Esse teu delicioso cheiro de terra, fruta e suor. Confesso que gostei logo desse teu orgulho constante, que por vezes confundem com arrogância.
Bem sei que nem sempre fui do teu agrado. Sem papas na língua, com protestos de como tratas as mulheres, tantas e nem sempre de cada vez, ou os filhos que teimas em ter e nem sempre cuidar. E a dança, omnipresente, também foi cena que tive que passar no teu teste. Reconheço que cheguei com tiques cabo-verdianos e que achavas que esse meu gingar dançante não chegava “à perfeita complexidade” da kizomba. Mas juro que me esforcei, até aulas quase que tive, e pus-me em bicos de pés para me chamarem para dançar nos casamentos dos teus enésimos irmãos e primos.
E depois tínhamos a eterna maca do funje. Funje de bombó ou de milho? De carne seca com muteta ou de peito alto? Apercebendo-me da sensibilidade do tema, confesso que muitas vezes só comia para te agradar, mesmo sabendo que ia ficar a tarde toda a rebolar os olhos e o corpo, mantendo os sinais vitais a trabalhar no mínimo e a jurar que nunca mais comeria nada no resto da minha vida. Mas, em minha defesa, nunca perdi uma oportunidade para encher a cara com feijão com óleo de palma ou quizaca, apesar dos teus pré-avisos que isso ia provocar-me crises de inchaço de jurar para nunca mais.
Nestes nossos dois anos, nem tudo foi fixe. Me fatiguei bué com as faltas de água e luz, as necessidades dos meus afilhados da rua que pareces ignorar, a indiferença com que que por vezes tratas os manos das províncias.
Apesar dos nossos mambos, não conseguirei esquecer o calor que senti mal te abracei e o suor a descer pelas costas ou os arrepios que me provocavas nas noites de cacimbo. Tudo vivido intensamente sob um constante ruído de fundo: música a decibéis proibitivos, gritos embriagados, relatos da bola, discussões políticas já sem medos, vizinhos e casais a se baterem, mais-velhos a ditarem o destino dos mais novos em reuniões familiares, conversas à toa cacofónicas gritadas para todos do bairro ouvirem.
Faz três semanas que fiz as malas e bazei quase sem me despedir. Sei que correm aí uns mujimbos que te troquei por Moçambique. Só te peço um tempo, ya? Espero que compreendas porque eu te gosto bué, Angola.