Há algumas coisas na vida que só se podem de facto sentir e entender quando são vividas, quer por consequência das nossas escolhas ou porque a isso nos sujeitamos em troca dos objectivos a que nos propomos. Hoje falo da Saudade, mas não da dos tempos inocentes de juventude nem dum bom bacalhau assado com batatas a murro. Falo de uma Saudade profunda que talvez viva dentro de cada emigrante e se expresse em cada um de nós de uma forma diferente.
Não sou nem nunca fui muito saudosista. Sim, não é fácil viver muito tempo longe dos sabores tão portugueses e tão regionais que só por si nos fazem sentir em casa. Nem longe das monumentais ruas de Lisboa (e de tantas outras cidades por Portugal fora) e das magníficas praias de areia da Caparica estendendo-se até ao Cabo Espichel. Isto de viver fora não é para todos, e se é para se viver sempre a lembrar como é tão melhor estar em Portugal, então mais vale voltar.
Senão o melhor é nem falar muito nisso e apreciar tudo o que se tem à nossa volta e todos os que nos acompanham nesta vivência. Aproveitar para criar laços que talvez em casa nem sequer nos déssemos ao trabalho de os considerar. E a verdade é que com as ferramentas tecnológicas que temos hoje na mão, só não estamos em contacto se não quisermos. Nem consigo imaginar como é que se fazia nos anos 50 quando custava uma fortuna ligar do estrangeiro por cinco minutos. Somos muito mimados e temos que aproveitar ao milímetro.
E também é um fenómeno interessante que a pouco e pouco os símbolos nacionais nos vão invadindo o nosso habitat natural, desde a andorinha do Bordalo Pinheiro ao comum porco de loiça para assar chouriço, coisas que se vão tornando preciosas. E as “coisas de emigrante” que tanto fazemos pouco vão começando a fazer sentido e a ganhar outras perspectivas, ao ponto de darmos por nós a trautear alguma música do Toni Carreira (sim, também essas ganham outra dimensão que nos era desconhecida).
Mas é quando mudanças na família e amigos que deixamos lá, que custa mais. Saber que não podemos estar lá agora e já. Perceber de repente que há muita coisa que não se pode fazer por skype nem que pode esperar até ao Verão quando estivermos de volta. Porque afinal a vida vai passando por todos embora quem está fora tenha a sensação que tudo fique congelado até ao próximo Verão. A Saudade de quem está longe talvez seja maior que a Saudade de quem fica.
Não posso acabar este artigo sem revelar que foi o novo filme da Carolina Silveira – “O amor que fica” – sobre este mesmo tema da Saudade que me fez voltar a pensar nestas coisas. Está ainda em produção mas esperam muito em breve vê-lo no grande ecrã. Inclui também a fadista eslovena Polona Udovič de quem falamos no último artigo, que nos vai aquecendo os corações nas noites frias de Janeiro. Será que também os estrangeiros podem sentir saudades como nós? Saudades de verdade? Fica a pergunta até à próxima edição da Revista Sardinha onde ambas a Carolina e a Polona têm presença confirmada. E já agora fica também a sugestão à canção Ocean dos Portugueses We Bless This Mess (que entrevistei ontem para a Sardinha) e que de alguma forma me faz voltar à Caparica onde cresci.