Ando a pensar nisto desde Setembro, quando por aqui se celebraram as Fiestas Patrias e o meu filho de 4 anos aprendeu o hino nacional do Chile na creche. Eu não sabia o hino de Portugal com 4 anos. Nem mais tarde. Também não me ensinaram o hino de Portugal na escola primária pública… bem sei que eu sou filha do 25 de Abril, nasci em Abril do ano seguinte à revolução e creio que essa geração levou com um certo apagão cultural relativamente a coisas que antes eram normais e que se ensinavam, mas de repente passaram a ser consideradas patriotismo bacoco, do tempo da “outra senhora”, entre elas o hino nacional.
O facto é que decidimos ensinar-lhe também o hino de Portugal, uma estrofe de cada vez. Normalmente durante as nossas viagens de carro a caminho da creche ou do supermercado. Priceless! À medida que avançávamos na letra ou que o meu filho decidia cantar pela enésima vez o que já sabia da canção do Chile ou da canção “do Portugal”, tornou-se para mim inevitável comparar os dois textos, a sua mensagem e o que isso pode influir na forma como uns e outros construímos a nossa identidade e projetamos as nossas respectivas pátrias…
Ambos os hinos falam do esplendor. Até o meu filho se deu conta da semelhança. Mas só na aparência, pois enquanto nós pretendemos levantar de novo o esplendor de Portugal (que presumo se terá perdido em algum momento, um pouco como a coroa de El Rei D. Sebastião), no caso do Chile, depois de uma breve descrição dos céus azuis e da majestosa montanha, promete-se o seu futuro esplendor. De igual modo, a parte final de ambos os hinos, aquela parte que se canta a plenos pulmões nos estádios de futebol também aponta para esta dicotomia passado/futuro. Sobretudo se pensarmos no contexto do Ultimatum em que surgiu A Portuguesa, nós corremos às armas e marchamos contra os canhões para manter e defender uma certa ideia de pátria pé-existente. De alguma forma é como se quiséssemos proteger o que já se construiu ao longo dos séculos. No caso do Chile fazem-se votos de que a doce pátria “o la tumba serás de los libres/ o el asilo contra la opresión” tchan-tchan-tchan! Os verbos conjugam-se todos no tempo futuro, com grandes ideais por cumprir.
Nós, os portugueses, os europeus, queremos ser aquilo que já fomos um dia, os chilenos, as Américas, aspiram a vir a ser algo grande lá na frente. É um projeto de futuro. O Brasil também se costuma auto definir como o “País do Futuro”, um termo cunhado por Stefan Zweig nos anos 30, surpreendido com a diversidade racial do Brasil e a sua aparente convivência pacífica, enquanto na Europa crescia o antissemitismo.
A ideia de futuro é de um optimismo contagiante. Quando me perguntam do que é que eu mais gosto no Chile, costumo responder que é do optimismo. Essa ideia de que ainda há coisas por fazer, a possibilidade de crescer, ou de sonhar. Num país, onde cinicamente a mobilidade social não é para todos, mas onde as pessoas acreditam que os filhos terão uma vida melhor do que a dos pais. A ideia de que o país, ou a pátria, podem mudar para melhor.
Suponho que se trata da eterna dicotomia entre o Velho e o Novo Mundo. Os países antigos e os países jovens. É obviamente diferente ter a nossa identidade sedimentada nos altos e baixos de séculos de história e de nem pensar muito sobre o assunto, ou pelo contrário, ter de construir essa identidade quase por decreto com Fiestas Patrias, cueca e bandeira nacional hasteada em todos os condomínios. Sim, a identidade nacional constrói-se. Há aqui uma lição valiosa, os países não são realidades estáticas, de alguma forma todos os países, velhos e novos, estão em permanente construção. Cabe-nos a nós decidir se queremos construir-nos à imagem daquilo que já fomos um dia ou daquilo que ainda queremos vir a ser.
Dias sem ir a Portugal: 4 meses aproximadamente…
Nas notícias por aqui: A reforma do sistema de fundos de pensões.
Sabia que por cá… se celebram o dia do professor e o dia das educadoras infantis (tomar nota do sexismo das expressões!). É costume enviar alguma lembrança ou fazer um bolo para esse dia.
Um número surpreendente: Segundo um estudo da ONU de 2016, no Chile as pensões de reforma das mulheres podem ser 66% menores do que as dos homens em igualdade de variáveis, fruto de fatores como salários menores para trabalho igual, menor história contributiva, maior esperança de vida e idade mínima de reforma.