No meu último artigo escrevi substancialmente acerca da actual situação política húngara, em cenário pré-eleitoral. Hoje escreverei um par de linhas de apreciação dos resultados e atmosfera pós-eleitoral.
Comecemos pelo recente relatório da missão de observação eleitoral limitada do ODIHR / OSCE (LEOM), que caracteriza as recentes eleições, apesar de tecnicamente bem organizadas (com reparos sobre os votos dos húngaros no estrangeiro e em algumas mesas de voto), como sendo demasiado inclinadas para o lado do Governo, devido ao excessivo compadrio entre o aparelho do Estado e o Fidesz. Tal terá levado o mesmo relatório a realçar a impossibilidade dos partidos terem um acesso igualitário a recursos de campanha (nomeadamente espaço e tempo nos media) e, por consequência, à capacidade unidirecional do partido do governo definir as linhas narrativas da campanha, fugindo a todo e qualquer debate político prospectivo e informativo, apostando antes numa retórica xenófoba e ultra-nacionalista de sentido único.
Sem debate ou contraditório, ficamos sem saber quais as apreciações que o governo faz da sua governação dos últimos anos, ou críticas, apenas que se sente untado por poderes divinos para travar um senhor já bem acima dos 80 anos, e as suas ambições de transportarem Meca para Berlim. Referimo-nos a George Soros, o multi-milionário judeu de origem húngara, peça única de toda a linha de comunicação política desde 2015. Soros, a julgar pelas recentes notícias, não deverá sair de palco, pois ainda antes de ter governo formalmente formado, e intervindo no contexto da actual re-definicão do Orçamento da União Europeia, Orbán apressou-se a afirmar que vetaria liminarmente qualquer proposta orçamental que aplique fundos a refugiados e/ou migrantes, prometendo ainda que que «se os húngaros não quiserem, não haverá orçamento da União». Ainda no tema, Orbán – tratando do próximo ciclo eleitoral – referiu que as próximas eleições europeias serão um referendo às políticas de emigração da UE, alertando para o poder que Soros detêm no hemiciclo europeu (em sua opinião dominado não por partidos ou famílias políticas mas pelo próprio Soros). Neste sentido, Orbán reconheceu que as principais preocupações do seu novo governo serão a de preservar a segurança da Hungria e a defesa dos valores culturais do cristianismo, justificação para que uma das primeiras medidas do seu novo governo seja a de garantir que um pacote legislativo contra a sociedade civil seja prontamente aprovado no Parlamento, a chamada Lei anti-Soros. Tudo a bem da Nação, respeitando a maioria supra-constitucional que obteve há um mês.
Com as condicionantes em relação à campanha eleitoral que já referimos, e beneficiando de um sistema eleitoral desenhado à medida, com menos de 50% dos votos expressos o Fidesz consegui eleger 133 dos 199 deputados ao parlamento húngaro, voltando a pintar o mapa húngaro de laranja carregado, com poucas excepções, em especial na capital. Estes resultados devem, em minha opinião, serem entendidos à luz do actual domínio e controlo totalitário do espaço público-político por parte do partido governamental, por um lado, e pela dispersão e incapacidade da oposição em se organizar numa força competitiva anti-Fidesz. Neste tema, se pouco haveria de esperar em relação à extrema-direita representada pelo Jobbik, muito mais se esperaria da oposição liberal que, em especial em Budapest, poderia ter conseguido retirar a super-maioria ao Fidesz. Aliás, os resultados na capital indicam não só o fraco apoio ao governo na principal área urbana da Hungria (cerca de 30%) como demonstram que em casos onde que a oposição dialoga e negoceia (no sentido de apresentar candidaturas únicas contra a direita) consegue ser competitiva, e vencedora (como aconteceu em metade dos círculos na capital). Por diversas razões, estes acordos não conseguiram ter um maior alcance em Budapest, o que significou a eleição de mais um par de deputados para Orbán, e a tão desejada maioria de dois-terços. Como resultado desta desastrosa estratégia, as lideranças dos principais partidos da oposição apresentaram a demissão (Jobbik, MSzP, LMP), significando potencialmente uma alteração das suas cúpulas, e a abertura de novas possibilidades de colaboração vis-a-vis o calendário eleitoral do próximo ano (europeias e locais). Até lá espera-se que Orbán mantenha a sua cruzada anti-Soros, a narrativa apocalíptica e o controlo total nos processos políticos, económicos e sociais. Business as usual portanto.