Não é segredo que Macau é visto como um território volúvel aos olhos dos emigrantes. Embora lhe ganhemos afecto, esta região especial é vista como uma passagem na nossa vida. Uma passagem curta, daquelas que deixam as mínimas marcas possíveis. Achamos nós.
Durante um jantar, numa destas semanas, confessava-me uma nova amiga, que tinha vindo para ficar. A sua certeza deixou-me sem palavras. Afinal, não estou habituada a tal discurso. Soltei um “boa” ao lado de um “fazes bem”, quase a fazer figura de idiota por não saber como reagir a uma certeza tão cheia de si. Tão corajosa.
Percebi que, em Macau, fui-me habituando ao adeus. Habituei-me e mentalizei-me que tudo é passageiro. Os trabalhos, as casas, as ideias, os projectos e até (algumas) as relações humanas. Porque, afinal, um dia vamos todos embora.
E com esta ideia, vestindo a capa do “só fico dois ou três anos”, vamos culpando Macau por não ser o sítio certo. “Não me sinto em casa”, “Este não é o meu lugar”, dizemos vezes sem conta, sem perceber que somos nós que não nos permitimos aconchegar. Que somos nós que não nos entregamos. Que não largamos o prazo e entregamos ao destino a decisão de quanto tempo Macau nos quer.
Não compramos carro, porque vamos embora. Não decoramos a casa porque depois temos de vender tudo. Não criamos raízes, porque este, dizemos nós, não é o nosso lugar.
Evitamos aprofundar relações porque “todos vamos embora”. Focamo-nos na poupança, porque afinal, é esse o único motivo que nos faz estar aqui. Viajamos menos, porque não estamos aqui para aproveitar.
Um dia acordamos, mais tarde, num outro sítio. Sem o carro. Sem a decoração e com a saudade. De poder ter vivido uma vida que não nos permitimos. Saudade, por hipotecarmos o conforto, a entrega ao outro. Por não nos deixarmos ser livres. Por não largarmos as dúvidas. O incerto.
Um dia vamos perceber que as certezas nunca chegaram. Que o tempo certo para qualquer coisa passou.
Um dia vamos contar que estivemos em Macau. Naquele sítio longe, distante e quase esquecido – ou desconhecido – pelo resto do mundo. Vamos contar estórias dos tempos de cá. E vamos perceber que aquele que nos ouve, está cansado de ouvir falar de um lugar com cheiro a terra, incenso e outras coisas mais. Que o outro nunca vai saber o que era sentir a pele suada no Cais 22, enquanto comíamos com pauzinhos e nos refrescávamos com Tsingtao. O outro nunca vai compreender o chá servido às refeições. O outro nunca vai entender o nosso Ok lah e o nosso tapau. O nosso respeito pelas superstições, pelos templos e até pelo vermelho. O outro nunca vai perceber o que é um amor-ódio que arde no peito.
E nós, aos poucos, vamos guardando tudo na caixinha da nostalgia. Porque afinal, Macau foi apenas uma passagem.