Parem. Não nos digam mais nada. Não venham falar à televisão, à rádio. Não declarem desculpas, de falta de meios, de ausência de condições, de escassez de tempo. Calem-se todos dos governantes e representantes. Todos aqueles que nos falharam este último domingo. Não queremos ouvir a vossa voz. Calem-se!
Rezem pelos bombeiros, pelos que morreram, pelos que caíram feridos. Pelos heróis que saltavam vidas. Por todos aqueles que deram as suas ao defender aquilo que lhes foi roubado. Rezem por esses. Vocês não nos merecem. E nós certamente que não vos merecemos.
Quem nos lidera falhou. Da forma mais grave e humanamente terrível que podia falhar. Não nos souberam proteger, não trabalharam o suficiente. Não viram uma solução. Não nos deram importância. Não quiseram saber. Não tiveram a força para mudar o que estava mal. O que vos impedia? O que era mais importante? Nada. Nada. Nada.
Podemos culpar – e devemos – quem começou os fogos. Impor penas, expor motivações, apurar culpas e descobrir soluções. Mas não foram eles que nos falharam. Haverá sempre mal no mundo. Pessoas que tomam partido de outras. Que fazem mal, que destroem. Que não merecem estar em sociedade ou sequer viver. Mas não foram essas que nos falharam este domingo. Quem nos governa, quem nos lidera, falhou. Ouvir a vossa voz ofende-nos. Não queremos. Calem-se com as vossas desculpas, com aquilo que têm para dizer. Não queremos ouvir. Não agora. Desculpem-se noutra altura, arranjem pretextos amanhã. Hoje não.
Nada vai tirar o sofrimento daqueles que perderam filhos, pais e amigos. De vizinhos que se tornaram irmãos ao combater as chamas juntos. De todos aqueles que viram a sua vida desaparecer em fumo. Ninguém vai apagar as lágrimas das suas caras. O suor das costas dos bombeiros e voluntários. A exaustão. São esses que merecem o nosso respeito. É por esses que devemos olhar e agradecer. Não por vocês. Tenham vergonha quando vierem pedir para continuar a exercer funções. Quando gastarem dinheiro em cartazes. Quando andarem pelo país, de norte a sul. Ele não é mais vosso. Não vos pertence.
O meu país está a arder. A quem falamos sobre isso? A quem nos queixamos? Os culpados não vão ser encontrados, nada vai mudar, tudo vai ser igual amanhã. A quem falamos sobre isso? Novas medidas não vão ser tomadas, porque falta sempre isto e aquilo e há sempre uma desculpa de força maior. A quem falamos sobre isso? A incompetência vai continuar, novamente e outra vez, sem que haja consequências reais. A quem falamos sobre isso?
Ver o meu país arder de longe e nada poder fazer custa tanto, dói tanto que não sei o que escrever. Seria igual se estivesse no meu pequeno apartamento em Lisboa, a olhar pela janela. Seria igual, mas assim consegue ser ainda pior. Não posso ajudar, não posso fazer nada. Nem saberia o que dizer, como reagir. Especialmente agora, especialmente depois deste verão. Especialmente nesta altura em que não era suposto acontecer.
Falharam-nos. Servir os outros devia ser o objectivo final, uma vocação acima de interesse pessoal, financeiro ou mesmo de reconhecimento. Devia criar propósito em quem o faz e respeito em quem agradece a dedicação. Mas não é isso que temos. Longe disso. Temos inúmeras alegações de abuso de poder, uma extrema corrupção que parece não chocar ninguém, incompetência e inércia absoluta. Agendas pessoais, conflitos de partidos, guerras de culpas. E nada muda. A arrogância daqueles que nos falharam continua a vai continuar.
Custa-me crer que um país inteiro, depois do verão, depois de Pedrógão Grande, seja incapaz de arranjar uma solução para um tema que há muito devia estar resolvido. Ao menos minimizado. Custa-me ver árvores reduzidas a cinzas. Trilhos onde já pisei desaparecerem. Cenários que me estão na memória serem alterados para uma imensidão de derrota, de nada.
Deviam ter lutado por nós. Não só desiludiram um povo inteiro este domingo, mas falharam enquanto seres humanos. Enquanto portugueses. Foi-vos confiado algo e falharam. Fiquem com as vossas guerras partidárias, com o dinheiro de luvas, com a arrogância toda que quiserem. Sejam felizes com isto. O nosso respeito, a nossa admiração, a nossa compreensão nunca mais será vossa. Havia um país inteiro que esperava mais de vocês. E vocês falharam.
Por isso calem-se. Não vos queremos ouvir mais. Não agora.