O último fim de semana foi o “Arrivals Weekend”. Dois dias apenas, mas de emoções fortes. Aqui no Reino Unido, os filhos saem de casa aos 18 anos, logo a seguir a completarem o ensino secundário. Rumam à universidade e muitos deles já não irão voltar mais para casa dos pais. Venho de um país onde os guardamos debaixo da asa até ser quase ridículo. Talvez por vir de onde venho e por ser um pai galinha, este fim de semana foi um dos mais difíceis da minha vida.
Envelheci.
Naquele momento em que, já no carro, olhei para trás e o vi, debruçado na porta a espreitar. Sorriso rasgado, mão a acenar. Vou ficar bem, diziam os olhos quase confiantes.
E eu sei que sim. E também sei que o nervoso miudinho, a curiosidade em descobrir gente de todo o lado, a expectativa de um curso internacional, são sensações que nos anestesiam temporariamente mas que deixam boa marca. Adrenalina. Ansiedade. Da boa.
Para nós, pais, é lixado. Largamos um filho que ainda há um piscar de olhos não conseguia dar um passo sem nos apertar a mão – e que bom que isso era! Um ser humano que cresceu em menos do que esse esterótipo do piscar de olhos. Uma criança com ar decidido mas ao mesmo tempo cheia de dúvidas sobre quase tudo o que mexe – será que ainda as tem? Andávamos a antecipar este momento há meses, mas sempre com os olhos postos no orgulho de ter um filho a ser aceite numa tão prestigiada universidade. Nunca com a ideia de que íamos ficar sem ele. Ou melhor, com essa sensação sim, mas que teimávamos em contrariar.
E por isso, eu queria que este fim de semana tivesse durado uma eternidade. Quis ser egoísta. Tentei contornar as horas para ficarmos mais um bocadinho a tentar mandar para trás das costas o significado desta despedida.
Fizemos tudo como se vê nos filmes. Fomos conhecer o apartamento, partilhado com mais cinco desconhecidos, nomes escritos no quadro branco da cozinha para pelo menos saberem com quem estão a partilhar teto. Levámos malas e malões, sacos e talheres, panos e panelas. Sempre a tentar desviar os olhos do tempo. Andámos às curvas de carrinho cheio no supermercado, onde cada paragem implicava uma explicação sobre como fazer massa, verificar sempre os prazos de validade ou fazer uma máquina de roupa – e para secar, como é que faço?
Cruzámo-nos com outras famílias. Trios que entravam, descarregavam e saiam para os abraços da despedida. Mandavam as regras que os carros só pudessem ficar 20 minutos no parque de estacionamento. Nós não só entrámos e saímos quatro vezes como ficámos sempre mais que uma hora. Menos na última entrada, já escusada, que levou como desculpa “verificações de última hora”. Ficámos os vinte minutos da praxe. Cinco nas verificações escusadas – já estava tudo arrumadíssimo – e o resto nas despedidas.
E saímos. Olhei para trás e vi-o, debruçado na porta a acenar. Um adulto criança de peito cheio e futuro por preencher. A fazer-se à vida sem medos, de frente. Saímos do portão e estacionei no primeiro canto que encontrei. E ali ficámos, uns minutos, sem precisarmos de mostrar que somos fortes e que daqui a nada ele está connosco para as férias e que isto não custou nada.
Nessa noite, às 3 da manhã, recebi uma mensagem que dizia “Já conheci imensa gente. Amanhã, quando acabar a palestra digo logo como é que correu”. Estou bem, podem descansar, disse ele. Filho entregue, li eu.
Envelheci.
Porque envelhecer deve ser sentir um orgulho que nos explode pelos poros. Deve ser experimentar uma gigantesca sensação de realização. E deve também ser receber um impacto violento que nos abana só para prevenir que o tempo passa mesmo a correr.
Envelheci, e agradeço profundamente ao meu filho pela grande lição de vida que, sem perceber, me deu.