A menos que seja alemão ou residente na Alemanha (e teria imediatamente percebido), o estimado leitor possivelmente terá aqui chegado induzido pelo estranho título da crónica. Para atenuar rapidamente algum excesso de expectativa, passo logo a desmistificar o seu significado.
Vai esta crónica descorrer sobre aqueles que serão, por razões diferentes, os três programas de televisão mais icónicos na Alemanha. Muitos dos factos relacionados com estes programas eram-me desconhecidos, assim que recorri extensivamente ao Wikipedia para ajuda. Desde já as minhas desculpas pelo carácter documental da crónica. A outra ressalva prende-se com o facto de não ter televisão em casa, assim que, em particular no caso do terceiro programa, eu nunca vi sequer um episódio.
Comecemos pela primeira parte do título. “Jantar para um” é o programa mais repetido na televisão de sempre (no mundo!). Trata-se de um sketch cómico, com cerca de 18 minutos de duração e originalmente gravado em 1963, em preto e branco. A partir de 1972 este sketch passou a ser transmitido todas as noites de Fim-de-Ano na Alemanha (e até em outros países). O sketch é todo falado em inglês sem tradução ou dobragem (uma raridade no panorama televisivo alemão). O sketch retrata o 90º aniversário de Miss Sophie. Tendo esta sobrevivido aos seus tradicionais convidados de jantar, cabe ao fiel mordomo James substituí-los nas diversas rondas de brindes com os variados vinhos que acompanham cada prato. Com o resultado que James vai-se embriagando pelo jantar a fora, tropeçando na cabeça da carcaça de tigre que faz de tapete. A cada ronda, antes do brinde, James repete a pergunta que tornou o programa icónico: “Same procedure as last year, Miss Sophie?” ao que Miss Sophie responde repetidamente: “Same procedure as every year, James”.
A razão porque o sketch se tornou um culto de televisão escapa-me. Mas não há um alemão que não o conheça de cor e salteado. É fácil encontrar o video no Youtube (Dinner for One).
A emissão do Rato (Die Sendung mit der Maus) foi para o ar pela primeira vez no ano de 1971, e desde então nunca mais parou. Eu só o descobri recentemente com os meus filhos, e por sorte é possivel fazer streaming dos episódios no site da internet. Alguns dos programas mais clássicos podem ser encontrados no Youtube.
O programa mantém o formato e até o tema musical original ao longo destes anos todos sem nunca ter mudado. No começo um narrador resume os temas do programa em alemão, seguido por uma repetição numa outra lingua estrangeira, que logo a seguir é identificada “Isto era Turco”, “Isto era Chinês”, “Isto era Hebreu”… Os temas educacionais do programa giram em torno de como é que se fazem certas coisas… e são interrompidas com pequenas animações, ao estilo tradicional, com o Rato e os seus amigos o Elefante e o Pato. Pelo meio também passa um episódio da Ovelha Shaun ou do Capitão Urso Azul (desenho animados conhecidos) ou outro.
O que torna este programa um favorito de crianças e pais é a forma descomplicada e directa como temas dificeis são explicados e demonstrados. Os produtores do programa dão-se a grandes trabalhos para filmar e editar processos de fabrico ou gestão dos mais variados produtos, desde agricultura, criação de animais, fabrico de máquinas, ou coisas comuns do dia a dia como lampadas, capacetes, gasolina, uma ponte na autoestrada, um carro dos bombeiros, um navio ou um avião, ou a explicar porque é que as coisas são como são. Cada passo do processo é explicado com linguagem simples e frases pequenas. A voz do narrador faz lembrar um avô a contar uma história com calma e precisão. Quando um conceito é difícil de explicar, o programa recorre a camara lenta para ver como tudo acontece em detalhe, ou a time-lapse para mostrar coisas que demoram muito tempo, ou a modelos análogos para demonstrar princípios.
O programa tem tanto sucesso que os produtores têm as portas abertas em qualquer empresa ou empreendimento que queiram documentar. Num dos episódios clássicos, filmaram em várias partes, todas as fases do fabrico de um avião Airbus 320 para a Lufthansa. Os meus filhos já reviram estes episódios vezes sem conta. No final, o avião é pintado com as cores da companhia, e com um Rato pintado na traseira do avião. Uma vez, no aeroporto de Frankfurt, os meus filhos ficaram malucos quando reconheceram esse mesmo avião a passar na placa.
Segundo o Wikipedia, o programa é chamado “A escola da nação” e não ficaria surpreendido se uma das razões da Alemanha ser um colosso Industrial, prender-se com o impacto cultural do programa e a curiosidade que tem vindo a despertar, ao longo de várias gerações, para perceber como as coisas são (bem) feitas. O astronauta alemão Alexander Gerst levou consigo um Rato de peluche para a Estação Espacial Internacional e filmou um episódio no espaço. Ele próprio confessa que é um grande fã do Rato desde miúdo.
O Local do Crime (Tatort) data de 1970 e desde então ocupa o horário nobre do principal canal de televisão (Das Erste) ao Domingo à noite. É uma série policial, com a particularidade de que é produzido por várias estações de televisão regionais, cada uma focando numa cidade diferente (Hamburgo, Frankfurt, Colónia, Munique, etc.), e em policias ou inspectores diferentes. Alguns dos actores que têm desempenhado o papel de inspector são muito famosos, como o recentemente falecido Götz George, que criou a personagem icónica (e ao ritmo que estou a usar a palavra icónica não tarda muito e esta será também uma crónica icónica) do Inspector Shimanski, ou a super estrela de Hollywood alemã Til Schweiger que participou em alguns episódios recentes.
Todos os anos são exibidos cerca de 30 episódios, e como cada entidade produtora é apenas responsável por poucos episódios, cada um extende-se até 90 minutos, o que é a duração tipica de um filme, permitindo desenvolver em maior profundidade os aspectos psicológicos dos personagens principais.
Durante a emissão, os espectadores comentam o episódio em tempo real no Twitter. Perguntei a um amigo porque era tão importante ver o Tatort e ele diz que se trata de um hábito, como lavar os dentes… Umas pessoas vão à igreja ao Domingo, outros vêm Tatort…
É normal encontrar à segunda feira de manhã, colegas alemães a discutirem na cafetaria o episódio da noite anterior. Quando o programa é particularmente especial, as suas particularidades são noticia nos media.
O que dizem estes programas sobre os Alemães? Talvez ilustrem o facto de que quando eles descobrem uma fórmula que funciona, e que lhes agrada, mantém-se fiéis por gerações, mesmo quando confrontados com outras alternativas até potencialmente melhores. Os alemães não são revolucionários por natureza. Os alemães gostam de predictabilidade e tradição (os meus sogros, por exemplo, vão todos os anos, religiosamente, passar férias na mesma altura, no mesmo sítio, no mesmo hotel, com as mesmas pessoas, e antes de irem embora marcam logo as férias do ano seguinte). A sua cultura gera estes programas e estes programas moldam a sua cultura, num processo lento, mas seguro, muitas vezes servindo de base para começar discussões importantes sobre a sua sociedade como por exemplo, a integração de imigrantes, certos movimentos políticos, crises económicas ou crises de segmentos económicos, e outros.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 40
Nas noticias por cá: as eleições legislativas que serão no próximo fim de semana
Sabia que por cá: Não há limite de velocidade na autoestrada
Um número surpreendente: 15 – o numero total de astronautas alemães (ativos e reformados)