Este ano fiz de novo parte da grande migração estival. Peguei no carro e desci até Portugal em agosto. Sim, desci. Todos os portugueses emigrados na Europa sabem que Portugal fica lá em baixo.
Avisei os meus amigos que iria lá abaixo e perguntei se eles este ano pensavam ir de automóvel. Surpreendentemente, uma boa parte deles optou pela via terrestre. A discussão que surge então é a escolha do trajeto. E estas coisas são como a preferência por um clube: cada um tem as suas razões e defende a sua dama até ao final. Alguém lembrou mesmo que, em tempos, havia um amigo que ia até Portugal pelas estradas nacionais para poupar o valor das portagens. Ninguém sabe ao certo quanto tempo lhe levava a viagem mas rimo-nos todos e concordamos que seja qual for o trajeto as portagens e as autoestradas são inevitáveis.
A discussão seguinte é para saber quem paga as SCUT. Há duas escolas de pensamento: “não faltava mais nada” e “quando lá chegar vou ver se não há muita fila no sistema de registo com cartão de crédito e logo decido”.
Depois levanta-se ainda a problemática da Via Verde. Já há portugueses cá de fora que compram uma Via Verde temporária. Há outros que pagam a portagem “normalmente”, tirando o bilhete. E há aqueles que passam na Via Verde apesar de não a terem. “Nunca me aconteceu nada e faço isso há anos”, dizem os mais afoitos e experientes.
A viagem exige preparação. Para alguns é apenas uma arrumação do carro. Tive um amigo que na véspera de partir se desembaraçou finalmente de uma velha impressora que trazia na bagageira há uns meses para mandar arranjar “senão as malas não cabiam”. Outros há que levam o automóvel à revisão, lavam-no e limpam-no aprimoradamente e até fazem um seguro especial de férias.
Falta ainda decidir sobre a comida. Leva-se preparada de casa ou vai-se comprando nas áreas de serviço? As bebidas também vão de casa? E se assim for é necessário garantir espaço para a geladeira. Esta já tem lugar cativo porque conta-se com ela para os dias de praia uma vez que se esteja lá em baixo.
A escolha da data de partida é essencial. Há dias que convém evitar e deles fazem parte quase todos os fins de semana a partir de 14 de julho. As autoestradas francesas ficam saturadas e há registos de 600 ou 700 quilómetros de filas num só dia.
O nível de trânsito afeta também a decisão de fazer a viagem num só dia ou em dois. Para quem tem de percorrer 2000 quilómetros parece loucura concluir a viagem em 15 ou 16 horas mas há muito boa gente que assim faz…
Os portugueses da Europa que vão lá abaixo de carro são sobretudo “franceses”. Mas juntam-se a eles os portugueses da Suíça, do Luxemburgo, da Alemanha, da Bélgica e, cada vez mais, os do Reino Unido. Mais a sul adicionam-se à grande migração os emigrantes de Andorra.
Para ajudar à confusão, a diáspora portuguesa na Europa não é a única a atravessar França e Espanha para regressar ao país de origem. Os magrebinos franceses e belgas engrossam regularmente as filas nas autoestradas e nas áreas de serviço onde podem ser vistos regularmente a rezar.
Os portugueses regressam de carro porquê?
Se pegarmos no exemplo do Luxemburgo a decisão de ir de automóvel parece no mínimo irracional. Na melhor das hipóteses, um português do Grão-Ducado terá de percorrer 1750 quilómetros para chegar à sua terra em Portugal. Sabendo que há três ou quatro voos diários (mais charters no Verão) entre os dois países, a decisão faz-se com que base?
Dizem pais e mães de família que com dois miúdos os voos acabam por ser mais caros do que a viagem de automóvel. Dizem ainda que “lá em baixo faz falta o carro”.
Pessoalmente continuo acreditar que ir ao volante de um carro releva mais do espírito de aventura do que da pura lógica. Reconheço que a simples ideia de pegar no volante e partir me agrada mais do que apanhar o avião. Este ano convenci-me com a flexibilidade da data de partida. Andei a adiá-la durante dias e insisti junto dos meus amigos que “ainda bem que não tinha marcado um voo senão isto tinha sido lindo”.
Um dia depois de sair do Luxemburgo, nas filas intermináveis da circunvalação de Bordéus tive menos certezas. Voltei a duvidar quando a polícia espanhola me fez uma espera e me roubou um belo jantar com os amigos a menos de cinquenta quilómetros da fronteira portuguesa. Mas a sensação de prazer e liberdade de atravessar duas vezes Portugal ao volante, debaixo de sol, vale isso tudo e muito mais.