Arquipélago Mergui ou Myeik, consoante o lado da história. O primeiro nome foi dado pelos britânicos durante a ocupação colonial às cerca de 800 ilhas do sul de Myanmar, no mar de Andamão, quase a tocar as águas da Tailândia. Myeik é a palavra birmanesa para o mesmo tesouro natural.
Destino (ainda) intocável. É dos poucos sítios do Sudeste Asiático que não recebe turistas em massa. Na verdade, quase não recebe turistas, ponto. A falta de infra-estruturas hoteleiras em terra e a obrigatoriedade de utilizar o limitado número de “barcos-dormitórios” que têm permissão de circulação, e as altas taxas turísticas associadas, ajudam a explicar a (ainda) ausência das multidões.
Aniversário anónimo. A falta de turistas reflecte-se no meu barco. Para uma tripulação de sete, somos cinco turistas. Pessoalmente, também beneficiei desta desproporção. O meu aniversário calhou por estes dias e apesar de ter feito disso segredo, o meu passaporte acabou por denunciar-me. Resultado: sem querer, bati o meu número recorde de convidados numa festa de aniversário forçada, com bolo comprado às escondidas pela tripulação no porto de partida. Nada mau para quem viajava sozinha. Pena que não tenham acertado no nome da aniversariante.
Sea Gipsy. Cigano do Mar. O nome pintado no barco parece resultado de estudo de marketing para escolha da designação da marca. A verdade é um pouco mais prosaica. Cigano do Mar é algo como chamar Lisboa a um qualquer negócio na capital de Portugal. Ciganos do Mar é o nome dado pelo mundo ocidental ao grupo indígena que habita neste arquipélago há centenas de anos. Na verdade, chamam-se Moken, tradicionalmente marinheiros nómadas, cujas origens descem até à Indonésia e à Austrália.
A tripulação assegura-nos que estas crianças “ciganas” não gostam de estudar. Os quatro turistas parecem acreditar, mas não me consigo calar e atropelo o guia: “digam-me quais as crianças no mundo que não gostam de aprender?! Sim, tem razão, aqui não gostam da escola porque são obrigadas a ter aulas em birmanês, uma língua que não falam, nem compreendem”, vou gritando em crescentes decibéis enquanto se ‘me’ enchem as veias do pescoço (e enquanto penso que ainda há muito por lutar neste país e eu vou cobardemente deixar tudo para trás).
Peixe por Gelo. Durante nove meses do ano, centenas de barcos de pesca povoam estas águas. Só desaparecem durante os três meses da penosa época das chuvas. Os homens, só homens, tailandeses e birmaneses, ficam pelo menos um mês sem sair do barco a lançar e a puxar as redes durante a noite. A meio da manhã estão de novo no convés para separar o peixe e as alforrecas e passá-los para embarcações que trazem gelo para a troca e que dali vão a correr para os mercados tailandeses com o fruto da pesca da noite. E nestas trocas e baldrocas, há vários barcos atrelados uns aos outros, com centenas de homens tapados até aos olhos para se protegerem do sol ao som de músicas tradicionais dos dois países.
Água dourada. Algumas das poucas ilhas habitadas sobrevivem (mal) à custa deste negócio da pesca. As que têm a sorte de ter uma nascente de água nas suas costas rochosas montam bombas de abastecimento nas baías e fornecem água doce às centenas de barcos de pesca e às escassas embarcações de turismo. À aproximação dos barcos, as crianças lançam-se nos seus botes e fazem uma corrida destemida para chegar primeiro aos barcos visitantes, na esperança de receber algo em troca.
Do Sul de Myanmar para o mundo. Há cada vez mais pressão turística para não manter este segredo bem guardado. Por preços não revelados, uma ou outra ilha conseguiu permissão para montar infra-estruturas hoteleiras. Do mal houve quem conseguisse o menos, optando por soluções mais ecológicas e com mínimos impactos na natureza, juram. Aguardam-se mais turistas na próxima época alta e ainda é uma incógnita os efeitos nos corais que rodeiam muitas destas ilhas com snorkeling de eleição a poucos passos do areal.
Mas por que razão vou-me embora deste país mesmo?!
Visto de Fora
Dias sem ir a Portugal: 90
Nas notícias por aqui: Mais um director de um jornal birmanês foi detido quando tentava viajar para a Tailândia, acusado de difamar um grupo extremista budista. Nos últimos meses, aumentou o número de jornalistas presos, crescendo as críticas à aparente passividade do governo quanto a vários casos de violação da liberdade de expressão.
Um número surpreendente: Nas 800 ilhas, estima-se que hoje em dia vivam apenas entre 2000 e 3000 Moken, ou ciganos do mar, como o mundo os apelida. Um número que surpreende pela negativa.
Sabia que por cá: No tsunami de 2004, não terá havido uma única vítima entre os Moken, apesar de estarem numa zona afectada. O vasto conhecimento do mar terá permitido perceber os sinais de um iminente tsunami, o que lhes deu tempo para fugir para zonas altas das ilhas ou remar para zonas mais profundas do mar e longe da costa.