Falar e ser entendido é das melhores coisas que há. Igualmente bom é também ouvir e perceber o que estão a dizer. Vivi um ano em Budapeste e perdi a conta às vezes em que fui ao talho comprar peitos de frango e tinha de escrever no Google Translate (essa tão nobre e importante aplicação), para depois mostrar ao talhante o que estava no ecrã do telemóvel. E sim, neste caso a palavra é mesmo essa para descrever um homem nos seus cinquenta, barriga vasta, sangue seco num avental que há muitos, muitos meses não via água e que imagino que tenha começado a sua existência num tom semelhante ao branco. Mãos…é melhor nem entrar por aí, ou o bigode. A ASAE tinha um dia complicado pela frente se lá entrasse. “Quantidades” e “em fatias” podia também chamar-se uma peça de teatro mimico sempre gira de fazer, quando finalmente o homem entedia o que queria. E este é apenas um exemplo da Hungria. Há mais, mas não temos tempo.
Em Amsterdão a coisas são diferentes. O inglês é ensinado em simultâneo com o holandês e o resultado percebe-se quando todos os seus habitantes, sem excepção, falam as duas línguas. É como se tivessem duas línguas maternas, o que torna as coisas bem melhores e encerra de vez a minha carreira de mimo. Quando cá cheguei, há sete meses, ainda escaldado de não ser entendido, começava por perguntar se falavam inglês antes de começar cada conversa ou dirigir-me a uma bancada. Era recebido com um misto de espanto de “quem é que este gajo acha que é” e “sim, até falo inglês melhor que tu alguma vez falarás, atrasado de merda”. E assim é e assim foi. Todos falam inglês, nunca mais precisei do Google Translate e viveram todos felizes para sempre.
Não. Não vieram todos felizes para sempre. É verdade que não se pode ter tudo, mas existem situações em que o inglês e o português de nada servem e mais valeria estar rodeado de chineses. Passo a explicar. Na empresa onde trabalho em Amsterdão e no contexto de reuniões e emails, todos falam o inglês da rainha. Um segundo depois, seja no almoço, ou uma simples pergunta de um holandês para outro, a língua muda. Logo. Sem aviso. Começam a falar holandês e nesse registo continuam. Ora, para começar não é a língua mais suave de se ouvir e para acabar, não se entende nada, por muito que se tente. E eu tentei. Vão algumas vogais misturadas com barulhos glotais e muitos “rrrrsss” pelo meio. Em contextos sociais, como jantares e bares, pior ainda. Basta dois holandeses estarem próximos, que há uma espécie de emparelhamento – estilo telemóvel e coluna de Bluetooth. Sabemos que não vamos falar com eles o resto da noite. É cultural. Nem há a questão de educação, de fazer o jeitinho ao estrangeiro que está ao pé deles. É assim.
Olhamos para o telefone, vemos os emails, fazemos scroll para baixo no Instagram e Facebook até nos cansarmos de ver as mesmas coisas de sempre. Mas o problema não é esse. O problema é quando estamos no comboio, que acaba de parar. Há um problema… é óbvio. As pessoas olham umas para as outras. Uma voz surge no altifalante. Holandês, claro está. A maior parte das pessoas fica aborrecida. Uns começam a fazer telefonemas e a mandar mensagens. Outros olham para o relógio em desespero. O comboio começa a andar a passo de caracol até à próxima plataforma e abre portas para não se mexer mais. Saem todos. E nós – ou eu, neste caso – fico com ar de parvo a pensar no que aconteceu, e mais importante, se tenho de chamar um táxi.
Igualmente frustrantes são os sinais escritos espalhados pela cidade. Não há tradução para inglês e a maldita língua se falada é má, escrita é um afronto à vista. Não dá para perceber nada, ou sequer tentar chegar lá foneticamente. É chinês.