Admito que não fiz nenhuma investigação empírica que sustente o que iriei escrever agora, mas estou muito certo que nunca na história da Eurovisão o júri Húngaro tenha decidido livremente dar a pontuação máxima a uma canção lusitana. E agora 12 pont Magyarországtól Portugáliának, Le Portugal douze points. Portugal twelve points.
Foi tão bom ouvir isto tantas e tantas vezes nesse sábado. Portugal parece não conseguir sair da ribalta. Já no Verão passado, enquanto as ruas e praças de Budapest se enchiam nos jogos do Euro, nós portugueses, silenciosamente esquivando-nos entre os pingos da chuva, levantámos um caneco que só um engenheiro acreditava. E fizemo-los juntando calão e vernáculo ao sangue, suor e lágrimas (ler Ronaldo na final). Mais 12 pontos para Portugal, e uma festa em Paris e por esta Europa fora como há muito não se via. Dobrávamos finalmente um novo Cabo das Tormentas, e voltávamos a apresentar Portugal à Europa, e ao Mundo, como um País com um presente bem definido, ganhador, solidário, com os olhos tranquilamente postos no futuro. De sorriso bem aberto, facilmente contagiante e com alto valor acrescentado associado.
Como há 500 anos, o que mais tenho apreciado na crescente visibilidade lusa é a constatação de não estarmos perante um vulgar acumular de ocorrências episódicas, esporádicas, mas antes a colher os frutos da aposta de mais de uma década de políticas públicas e educacionais, que construíram a geração mais bem qualificada, inovadora e pro-activa da nossa história recente. Como antes o tínhamos feito, na preparação da nossa grande Epopeia asiática. Temos, paulatinamente, numa interessante convergência entre a alta capacidade individual e uma consciência colectiva (cultural) re-modernizada, conseguido ir redefinindo os acordes dos nossos Fados, explorando novas tonalidades, em aventuras planeadas bem distantes de tradições passadistas. Temos sabido não estar na moda, mas sermos a moda. De contribuirmos para a sua constante redefinição. Hoje criamos, definimos, conceptualizamos. E se com surpresa colocámos há uma década um Português no topo da União Europeia, um pouco caído do céu, hoje com toda a tranquilidade do mundo elegemos um Secretário-Geral das Nações Unidas, vemos portugueses liderar empresas de topo em França, bancos na city de Londres. Ganhamos Ursos em Berlim, somos destacados na bienal de Veneza, organizamos o maior encontro no mundo das Start-ups e todos os anos subimos mais uns lugares nos rankigs do PISA. E apresentamos cartas a todos os que queiram pensar novas formulas políticas de governação (ler geringonça, novo municipalismo), de como promover alternativas às políticas de austeridade, simplificar a relação entre o Estado e os seus concidadãos (Loja do Cidadão, Simplex, Orçamento Participativo), ou de como entender política e socialmente a complexidade das sociedades contemporâneas através de uma nova geração de políticas de igualdade. E podia ainda referir que não há forma do Porto e de Lisboa saírem de qualquer top-10 de destinos turísticos, em como o nosso design é bem apreciado em todo o mundo, a nossa música escutada com interesse, a investigação reconhecida, ou como Lisboa mais e mais se tem conseguido transformar num interessante centro de negócios, articulando diferentes os mercados americano, africano, asiático e europeu. Portugal é hoje trend setter, marca sinónimo de modernidade globalizada, valor acrescentado e criatividade inovadora.
Também por Budapest se sente este elan. Hoje a Wizzair tem voos regulares para Lisboa, Porto e Faro, e diz-se que pensa no Funchal. E estão cheios. O ano passado Portugal foi País em destaque nas festividades organizadas por uma colectividade local na Bártok Béla (uma das principais artérias da cidade). E não só a comunidade lusa aqui existente alarga-se e estende-se profissionalmente, como mais e mais húngaros se deslocam para Portugal. Encontramo-nos a meu ver no momento ideal para sairmos do passadismo da aposta no mercado da saudade, ou na singela divulgação de vinho do Porto e Fado com duas guitarras. Estamos no ponto ideal para apresentarmos uma nova atitude, de reinventar as relações entre os dois Países, de nos reorganizarmos, promover novas gentes e projectos, apoiar novas ideias e apostar na (nova) qualidade, boa onda e energia, e em nos rejuvenescer institucionalmente de forma a bem articular as sinergias hoje dispersas e desaproveitadas. Assim, se o soubermos fazer, estou certo que conseguiremos que os 12 pontos agora atribuídos não sejam vistos como episódicos, ou uma singularidade isolada, mas antes uma sólida constatação de quem passado por um Bojador se encontra focado na Boa-Esperança. A todas convidando para a viagem.