O mês de fevereiro (nigatsu) chegou e nós começámos as limpezas primaveris a correr com os maus espíritos daqui para fora. O Setsubun é um festival que tem lugar logo no dia 3, dia anterior ao início da primavera de acordo com o calendário lunar japonês. Aqui despedimo-nos do inverno e espantamos todos os males do ano anterior fazendo o ritual Mamemaki, que consiste em atirar para fora de casa feijões de soja torrados e gritar “Oni wa soto” (que saiam os demónios, o azar e as coisas más) e “Fuku wa uchi” (que entre felicidade, sorte e coisas boas).
Comemos ainda tantos feijões quanto a nossa idade permite e um ehoomaki (rolo de sushi), que neste dia é vendido especialmente com sete ingredientes que representam os sete deuses da sorte. Para isto fazer mesmo efeito temos de comer o rolo com os olhos fechados, em silêncio e virados na direcção da sorte (este ano foi noroeste). Casa à prova de mau olhado e um denso bolo alimentar: check!
Continuando a correr para o meio deste pequenino mês parei no Valentine’s Day. O São Valentim é um gigante japonês cheio de camadas de chocolate branco e negro, e carrega um mundo de corações que vai lançando pela cidade como se de uma epidemia se tratasse. Ninguém lhe escapa! No dia 14 são as mulheres que oferecem chocolates aos homens, sejam eles seus maridos, namorados, amigos ou colegas. Até esta data todos os supermercados têm uma ilha dedicada à confecção de bombons em casa, todas as lojas de departamentos têm publicidade e produtos alusivos ao dia e as marcas de chocolates vendem e dão a provar tanto cacau que enjoa o maior chocoólico.
Em vésperas deste dia (num domingo), arrisquei ir a uma loja de departamentos no centro de Nagoya que tinha um piso dedicado ao chocolate, uma espécie de certame de São Valentim. Esperei meia hora para conseguir comprar uma caixa de batatas fritas com chocolate (deliciosas!) para oferecer ao meu marido e estive numa das menores filas. Para terem uma ideia, imaginem a feira de Carcavelos numa manhã quente de verão, transportem-na para um andar onde só entram mulheres e que tem filas estreitamente circunscritas, onde para caber um carrinho de bebé precisamos de fazer um alargamento estratégico e a dança do “tirem-me daqui que já não aguento mais!”. Muito calor, muita gente, muita falta de espaço. Compra feita e saímos de lá a grande velocidade.
Onde por cá temos mesmo de abrandar é na condução. Os limites de velocidade são baixos e todos os condutores os respeitam.
Tirei a minha licença de condução quando cá cheguei, em 2014. Este mês tive de ir ao Centro de condução para poder renová-la por mais 3 anos e para isso, além dos comprovativos de morada, fotografia e exame oftalmológico, tive de assistir obrigatoriamente a uma aula de duas horas sobre os procedimentos de um bom condutor. Claro está, em japonês. Tive a sorte de me disponibilizarem um manual de regras de trânsito em português para consultar durante este tempo.
As respectivas cartas novas foram entregues no final e só depois pude correr dali para fora.
Procedimentos e brincadeiras à parte, tratei disto num ápice e funcionou tudo muitíssimo bem, com uma organização que o nosso país deveria almejar.
Neste dia em que vos escrevo saí de casa às 7:40h para dar mais uma corrida e cruzei-me com a agitação matinal dos que rumam aos seus trabalhos, ora de bicicleta, ora a pé. Vi pela primeira vez um personagem de anime personificado que corria qual Tsubasa! – um senhor de meia idade, de mochila às costas, postura forte e hirta e braços dobrados ligeiramente afastados do tronco, de passada larga e firme. Tão igual aos desenhos animados que só visto!
Pelo caminho cruzei-me também com muitas crianças. No Japão é comum as crianças irem a pé para a escola, sozinhas. Normalmente, as que moram na mesma zona combinam encontro num jardim e lá esperam umas pelas outras até o aluno mais velho do grupo fazer a contagem e dar sinal para seguirem caminho. Todos usam farda, que difere consoante o ensino que frequentam e esta inclui chapéus. Hoje vi muitas cabecinhas amarelas com as suas mochilas japonesas que custam uma fortuna e nelas penduradas lá chocalhavam as garrafas de chá e os saquinhos do bentō (marmita japonesa).
O sistema de ensino japonês é de 6-3-3 (6 anos de ensino primário, 3 de preparatório e 3 de secundário). Valorizam a pontualidade, a higiene, a solidariedade e o trabalho em grupo e todos os alunos desenvolvem diversas tarefas relativas à limpeza das salas de aula e à distribuição do almoço no refeitório. O desporto e a competitividade são igualmente incutidos como forma de promover o bem-estar físico e o espírito de equipa entre os alunos, bem como o respeito pela natureza.
Os jardins de infância são também um admirável espelho da cultura japonesa e do que para eles é essencial. É comum vermos, todos os dias, as educadoras a levarem os meninos aos parques infantis para terem contacto com a terra e sentirem as diferenças de cada estação do ano.
Findo fevereiro, chegaremos à primavera num instante. Até lá, continuarei a contar os dias para correr para o meu país e perceber melhor o quanto de mim já respira e transpira em japonês.
VISTO DE FORA
– Dias sem ir a Portugal… 170
– Nas notícias por aqui… a derrapagem orçamental dos Jogos Olímpicos de Tokyo 2020 continua a ser tema de destaque. Os custos podem chegar aos 24 mil milhões de euros, 4 vezes mais do que o orçamento inicial.
– Sabia que por cá… reina o melhor jardim de infância do mundo – o Fuji Montessori Kindergarten. Para o arquitecto Takaharu Tezuka, projectar um jardim de infância em círculo tem uma explicação simples – “Em círculos vivemos e convivemos, em círculos aproximamo-nos das pessoas, criamos laços de afeto, de trabalho e de estudo.” Mais aqui e aqui
– Um número surpreendente: 40,000 iénes (cerca de €330) é o preço médio da tradicional mochila japonesa Randoseru, usada durante todo o ensino obrigatório.