Esta é a história do dia em que conheci Sabine de Puydt, a minha “inspetora de bairro”. Tudo começou de forma um pouco assustadora ou intimidatória, quando na véspera, ao chegar a casa, decidi abrir a caixa do correio. Para grande espanto meu, aí me aguardava uma convocatória oficial, em papel timbrado da polícia, para me apresentar na esquadra mais próxima. Imediatamente passei em revista os dias anteriores, procurando lembrar-me de algum ilícito que pudesse ter cometido. Debalde! Não me ocorreu nada. Que quereria a polícia comigo? Eu acabado de chegar a Bruxelas e as autoridades no meu encalço? Porquê?
Observei, então, a dita convocatória com maior atenção. Percebi, antes de mais, que deveria apresentar-me na polícia, mas não numa altura qualquer, segundo a minha conveniência, nem algures durante o horário de funcionamento da esquadra, mas em períodos de tempo muito específicos e bem determinados: ou na segunda entre as 13:00 e as 15:00; ou na terça entre as 07:30 e as 09:00; ou na quarta entre as 09:00 e as 11:00; ou na sexta entre as 07:30 e as 10:00. Achei esta escala temporal um pouco bizarra. Mas mais preocupante era o facto de já ser quinta-feira à noite. Como por aqui é raro receber cartas, não verifico com grande assiduidade a caixa do correio. E assim acabara de constatar que 3 das 4 opções disponíveis já tinham passado, sendo que agora só me restava uma derradeira possibilidade de acorrer ao chamamento policial. Sabe-se lá o que me poderia acontecer se não cumprisse tal intimação. Impreterivelmente no dia seguinte de manhã, antes das 10:00, teria de me apresentar na esquadra.
E lá fui eu, receoso e expectante. Quando cheguei, apresentei a notificação e mandaram-me aguardar. Poucos minutos depois, uma senhora de sorriso largo e jeito hospitaleiro veio apresentar-se. Arranhava até algumas palavras em português. Era a Inspetora Sabine. Pediu-me logo que a tratasse só assim. O seu apelido prestava-se às mais espúrias formas de pronunciação, sobretudo na boca de estrangeiros, o que ela bem dispensava. Conduziu-me ao seu gabinete e lá me explicou que era a minha inspetora de bairro. Que este rendez-vous, para travarmos conhecimento, fazia parte das regras. Já assim era desde o tempo de Napoleão. Perante o meu ligeiro esgar de estupefação, empertigou-se: era mesmo assim, limitava-se a cumprir regras de Napoleão! Imediatamente anuí, quem era eu para duvidar da palavra da Sra. Inspetora. Retomámos, então, um registo mais amistoso. Explicou-me que já tinha passado duas vezes por minha casa, tinha verificado que o meu nome se encontra afixado na campainha* (seria também uma exigência de Napoleão?) mas, não tendo tido oportunidade de me conhecer, havia decidido convocar-me à esquadra para conversarmos e ela poder atestar ao Município (Commune) que estava tudo em conformidade (?!).
Nessa ocasião, a Inspetora Sabine entregou-me um folheto – sob o slogan “conhecer e proteger” – contendo indicações de segurança e uma série de contactos úteis em caso de necessidade. Ainda hoje guardo tal folheto, que explica quais as funções de um inspetor de bairro e aconselha o site da polícia para mais detalhes (com código QR e tudo, o que certamente não existiria no tempo de Napoleão). Por fim, a gentil Inspetora deixou-me o seu contacto direto, garantindo que ficava à minha disposição. Minha e de todos os vizinhos do bairro, que ela conhecia de similares encontros aquando da respetiva chegada a Bruxelas.
É assim, portanto, que a polícia local acolhe os novos residentes. Os meus colegas de trabalho, fiquei entretanto a saber, também já tinham passado por experiências semelhantes, embora nalguns casos bastante mais intrusivas. Pessoalmente, confesso que o encontro com a Inspetora Sabine, apesar de um pouco insólito, foi até deveras agradável. Ela esforçou-se por me fazer sentir confortável e eu fiquei satisfeito de saber que há alguém, atento e disponível, que se interessa pela minha segurança e protege o bairro. Mas, ao sair, não pude evitar um certo sentimento de alívio. Desta já me safei, disse para comigo mesmo. E, apesar da extrema simpatia com que fui recebido, espero não precisar de lá voltar!
* Em Bruxelas os apartamentos não são identificados pelo respetivo andar, direito ou esquerdo, mas pelo nome de quem lá mora.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 4.
Nas notícias por aqui: discutem-se vários aumentos: o preço dos bilhetes e passes de comboio irá subir, em média, 2,93%; a cerveja também vai subir de preço; e será criada uma taxa turística sobre as estadias em quarto de hotel (4€/noite) e em apartamento ou campismo (3€/noite).
Sabia que por cá: o lixo é recolhido (apenas 2x por semana), não durante a madrugada, mas de manhãzinha – em plena hora de ponta, portanto!
Um número surpreendente: 321 milhões de Euros, foi quanto custou o novo edifício do Conselho Europeu, onde os Chefes de Estado e de Governo dos 28 Estados-Membros vão passar a reunir dentro de uma espécie de ovo enclausurado num cubo oco e transparente.