Este será provavelmente um dos textos mais especiais para mim. E remonta a Maio de 2015, quando viajei até ao Nepal menos de um mês a seguir ao terramoto e tive a honra e o prazer de conhecer e trabalhar com o Pedro, o Lourenço e a Paz. Quem não conhece o Obrigado Portugal. Nós também somos Nepal? Esta missão de solidariedade e apoio humanitário tocou o coração de todos nós.
A aventura começa assim… 22 de Maio de 2015:
Conhecer e viajar pelo mundo faz com que os meus amigos em Portugal me apelidem de “sortuda”, “felizarda” e “abençoada”, chamando-me mesmo “pirosa” ou outros nomes amistosamente ofensivos. Fazem-no porque tenho o privilégio de trabalhar no que me permite estar sempre e cada vez mais próxima das experiências, lugares, pessoas e diversidade deste planeta. E é este querer estar perto do mundo e tocá-lo na sua essência que me levou a viajar até ao Nepal. Porque a realidade não reside no vale encantado. Não são só sorrisos, hotéis de 5*, dinheiro, boa comida e conforto. Viemos porque sou uma cidadã portuguesa orgulhosa de tudo o que o Pedro, o Lourenço e a Paz têm feito por estas pessoas. Aliás todos nós, Portugal, estamos orgulhosos.
Dia 1: O Campo Esperança é, como o próprio nome indica, uma renovada solução de vida para aqueles que nele habitam. São cerca de 330 habitantes vindos de aldeias destruídas pelo terramoto. E a quem o Pedro, o Lourenço e a Paz, juntamente com todos os voluntários, decidiram dar um futuro de esperança ao estarem envolvidos neste projecto. Daí o nome ser tão adequado. Ao chegarmos foi extraordinário perceber toda a dedicação e entrega destas pessoas. Está tudo montado e organizado. Há tendas, casas-de-banho, cozinha, espaço de refeições e um centro médico. A mim coube-me passar o dia com as crianças do Campo e pintámos, desenhámos, dançámos e ao final do dia já tínhamos uma coreografia feita e tudo! As minhas meninas são umas bailarinas e aprendizes fantásticas. Meninas sim, porque meninos foi vê-los a preparar o campo de futebol e a jogar o dia todo. É maravilhoso tudo o que aqui se passa.
Dia 2: O dia não podia ter começado de forma mais produtiva. Ficámos a conhecer o projecto das casas temporárias, apresentado pela Paz e pelo Walmyr, a ser iniciado nos próximos dias numa aldeia devastada pelo terramoto. A ideia é construir habitações semi-permanentes, resistentes até que estas famílias disponham das condições necessárias para ter o que podem, finalmente, chamar casa.
O espírito desta equipa é alegremente contagiante. Passamos o dia inteiro a rir porque o espírito à nossa volta é finalmente de recuperação. Porém, e apesar de todas as etapas bem sucedidas, não se descura a construção das vedações para proteger o Campo Esperança e dos canais para escoar a água quando as monções chegarem.
Dia 3: A minha praxe, do Luka, do Bruno e do Nico, como o Pedro e o Lourenço carinhosamente apelidaram, na distribuição de comida às aldeias remotas não podia ter sido mais hilariante e, literalmente, deixou-nos grandes “marcas”. Um conjunto de tonalidades, diria eu bem escuras, que vão desde os glúteos, pernas, costas, cabeça, abdominais… Se eu não me recordasse do que tinha feito hoje, ficaria com a ideia de que completara um intenso treino militar. Uma missão que duraria 3 horas (pensávamos nós) cada percurso, acabou por ser o dobro. Seis horas para cada lado, onde o nosso meio de transporte é uma carrinha de caixa aberta e os assentos são sacos de arroz. Vamos ao encontro de 60 famílias que muito provavelmente não tiveram qualquer contacto com ajuda humanitária depois do terramoto. À medida que penetramos no interior desta parte do Nepal à qual nos dirigimos, percebemos que mais de 90% das casas ficaram parcial ou totalmente destruídas. Famílias que ficaram sem nada, que têm de recomeçar do zero e que viram desaparecer os seus mais valiosos bens. Eu diria que as últimas duas horas de trajecto estão ao nível da adrenalina causada pelas melhores montanhas-russas do mundo, com a grande vantagem de que aqui não se tem de pagar! Chegados à aldeia, grande parte da população estava reunida na escola da vila e fomos recebidos com pompa e circunstância. Abençoados e aplaudidos, ainda tivemos o privilégio de ter as crianças a cantar o hino nepalês para nós.
Dia 4: Todos os dias há réplicas do terramoto. Mas não são significativas e nem sempre se sentem. Já enfrentámos vários desafios mas sempre bem sucedidos, até porque os Nepaleses têm um espírito extraordinário que nos leva a querer fazer mais por eles. Recordo-me do primeiro dia em que a forte chuva e frio invadiu o Campo Esperança e eu estava de manga curta sem nada para me proteger. Duas das minhas meninas vieram-me dar uma camisola para me aquecer. Elas que pouco ou nada têm. Mas tudo querem partilhar. É a consciência de comunidade na sua plenitude. Depois da nossa odisseia para entregar comida, regressámos ao Campo. Fui recebida por uma das minhas meninas que apressadamente me disse (sem bom dia, nem nada) com um ar muito chateado: “Ontem não nos vieste visitar!” Não sei se me devia sentir satisfeita por terem sentido a minha falta, ou culpada por não ter comparecido.
Dia 5: A tarefa de distribuição de mantimentos a aldeias necessitadas está de volta. Claro que, ao saber da notícia, todos nós tememos pelas nossas partes traseiras tal eram as mazelas da viagem anterior. Mas o que conta é a intenção! Desta vez levámos duas carrinhas com 4 toneladas de comida para entregar a mais de 350 famílias. Que excitação. Chegados ao local, a fila era tão grande que parecia a fila na segurança social portuguesa. Mas das boas causas. Todos se organizam, esperam pela sua vez e preparam para receber os packs de comida. Duas professoras apontam nos seus cadernos quem é que ali está. Tudo tem de ficar registado. Depois, começa-se a preparar os packs : 10 kgs de arroz, 1kg de lentilhas, 1kg de açúcar, 1kg de sal, 1l de óleo, cinco pacotinhos de bolachas. Próximo. E assim 350 vezes. Parece o típico modelo americano de produção em série do início do século XX em que um tira, o outro passa, o outro guarda, o outro ata, o outro entrega numa sintonia perfeita e constante. Durante três horas. E as pessoas saem tão satisfeitas e agradecidas que não poderíamos ter maior recompensa. O voluntariado não só nos enche a alma como ainda nos proporciona momentos inesquecíveis. Recebemos mais do que damos. Vivemos, sentimos, apaixonamo-nos por tudo e todos.
Dia 6: Faltam-me as palavras para descrever o dia de hoje. Tudo são emoções. E não é um adeus, é só um até já. Porque quero e sei que vou voltar. Todo o meu agradecimento é pouco por aquilo que o Pedro, o Lourenço e a Paz fizeram. Este Campo Esperança está cheio de boas energias e projectos positivos. É o nosso milagre. Dizer adeus às minhas meninas foi o que mais me custou. Não me deixam ir embora sem prometer que vou voltar. Eu própria não me quero ir embora. Levam a minha mala até à entrada do Campo. O coração aperta e tudo fica mais pequenino. Não posso chorar à frente delas, não quero que me vejam triste, quero que se recordem de mim sempre a rir e a dançar. Mas quando viro costas não consigo. Parte de mim ficou para trás. Foi uma semana tão intensa em que mais do que amigos, ganhei uma nova família. Percebi que o poder da vontade e coração humanos não tem limites e que se quisermos podemos mudar o mundo. Nós estamos a mudar o Nepal. Na nossa bagagem trazemos um coração cheio, memórias inesquecíveis, momentos únicos e experiências muito enriquecedoras.
Já se passou mais de um ano e a evolução tem sido impressionante, arrebatadora. Continuam a chegar mais voluntários para ajudar esta causa, há sempre novas ideias e iniciativas para ajudar o Nepal e o projecto de construção de casas passou do papel para a realidade. E que realidade! Que vontade e força de ajudar incríveis. Só demonstra que quando o Homem quer, e apesar dos obstáculos, não há travão para a concretização dos seus ideais. Sobretudo se forem regidos por causas tão nobres.
Obrigada Nepal!
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: Cerca de três semanas
Nas notícias por aqui: O Sheikh do Dubai e Primeiro Ministro dos Emirados Árabes Unidos visitou esta semana alguns dos escritórios do Governo do Dubai e despediu nove funcionários públicos, por se encontrarem ausentes do seu posto de trabalho durante o horário de expediente, entre eles directores-gerais de serviços.
Sabia que por cá… O preço do litro de água é mais caro que o do litro de gasolina.
Um número surpreendente: quase 90% da população residente no Dubai é estrangeira