Era uma vez um inglês e um americano. Um chama-se Boris, o outro Donald, e foram os dois para a política.
O Boris, de apelido Johnson, é um tipo tão louco como o seu penteado. Em Eton, o colégio dos meninos-bem ingleses, era o arqui-rival de David, de apelido Cameron, um outro loiro mais compostinho que haveria de ser a primeiro-ministro. Foi durante algum tempo o seu ministro sombra. Chegou a mayor de Londres, fazendo manchetes pelos episódios cómicos que protagonizava em campanha e fora dela. Mas Boris tinha, bem lá no fundo, um objetivo claro: comandar os Tories e destronar David. E uma forma de se distanciar dele: defender com unhas e dentes a saída do Reino Unido da União Europeia, cavalgando a crescente vaga de impopularidade da UE junto dos britânicos. Brexit, Brexit, Brexit, bradou Boris.
Farto desta conversa e da oposição interna no partido, David convocou um referendo à confiança – carambra!, era por demais evidente que os ingleses só teriam a perder com esta saída e que, na hora de votar, veriam todos a luz. Ainda para mais já tinha ele conseguido um estatuto especial para o país dentro da União. As vozes sensatas do Reino vieram falar e meter ordem na casa: havia que não arriscar o que nunca tinha sido testado e, obviamente, ficar na UE. Claro como água.
Só que o povo tem lá seus caprichos, e os ingleses, então, seus orgulhos, e os britânicos rebelaram-se: escolheram o “Não”. Viva ao Brexit! Apesar de todas as luzes vermelhas de alerta estarem acesas há muito tempo, o Reino acordou hoje mais desunido do que nunca. O mundo arremelgou os olhos, incapaz de se refazer do choque. Foi ver gente incrédula em frente aos ecrãs, mercados a afundar, empresários em desespero, políticos a fazer contas à vida. E a Europa agora vai desintegrar-se?
O inimaginável, o impossível, o inacreditável, afinal, tornou-se irreversível.
O outro loiro, o Donald, de apelido Trump, conseguiu chegar à reta final das eleições para presidente dos Estados Unidos. Quando apareceu na corrida à Casa Branca, não passava de um alvo de chacota. Calma que aquilo não era política, mas puro entretenimento. Tratava-se de uma espécie de Tiririca à americana, uma bizarria com a qual, cruzes credo!, o povo haveria de se divertir durante uns tempos e depois ser metida no seu devido lugar: para lá entretido em negócios mais ou menos obscuros, programas de televisão e barbies várias décadas mais novas. Só que aquele país que já tinha visto um ator e um cowboy serem eleitos presidentes, é dado a imprevisibilidades: será possível que em breve eleja um magnata “inadjetivável” em toda a sua boçalidade, ignorância, demagogia e irresponsabilidade? O povo tem razões que a razão desconhece, já devíamos saber isso.
O inimaginável, o impossível, o inacreditável pode, afinal, tornar-se, mais uma vez, irreversível?
Estou como a outra Mafalda: parem o mundo que eu quero sair!