Há imagens que se incrustam na memória coletiva. Provavelmente, a capa da VISÃO com a entrevista ao primeiro-ministro, em dezembro passado e que tanto deu que falar, ficará para a história como a súmula perfeita dos primeiros nove meses da maioria absoluta de António Costa. Da altivez confiante da pose ao conteúdo da mensagem – o famoso “Habituem-se!” –, é o resumo de um tempo e de um modo.
São três os pecados originais deste Governo que ficaram à vista em 2022: 1. a sobressegurança de uma legitimidade democrática expressiva; 2. o facilitismo de quem sabe que tem “as costas quentes”; 3. os sucessivos erros de avaliação política, também acerca do impacto destes problemas.
A combinação destes fatores, que coincidiram com tempos especialmente exigentes, tanto ao nível interno como europeu, revelou-se explosiva e culminou numa situação insustentável, que causou alarme social.
Muito mais do que meros casos e casinhos, que se misturam com a espuma dos dias e que entretêm a famosa bolha político-mediática, ao que assistimos nestas semanas horribilis foi um tremor de terra que obrigou António Costa a levantar-se da poltrona, a assumir erros, a pedir uma espécie de desculpas e, finalmente, a tentar mudar de registo.
Seja por instinto de sobrevivência seja por agudeza, o primeiro-ministro, que prometeu uma maioria dialogante mas que se apresentou como um maioritário impaciente, teve de emendar a mão – algo que faz sempre a contragosto.
Perante a chuva de críticas, incluindo presidenciais e internas, com as ruas a começarem a levantar-se, António Costa aligeirou o tom, identificou falhas, atribuiu culpas, distanciou-se dos “pecadores” e exigiu mais e melhor. Fê-lo no debate de política geral de sexta-feira, dia 13, e voltou ao tema no encontro socialista durante o fim de semana.
Pediu aos seus mais exigência com as escolhas de dirigentes e pressionou os ministros de áreas, que determinou como chave – Saúde, Ensino e Habitação –, a mostrarem resultados até março, que é como quem diz, num plot twist assinalável, “acabou-se a pândega, desabituem-se!”.
O Presidente da República, o primeiro a deixar claro que o desvario deste Governo tinha de ter um fim, veio reforçá-lo, agora, quando disse que o novo questionário de 36 perguntas se deve aplicar também aos atuais governantes. Um nível de escrutínio mais exigente, quando nasce, tem de ser para todos.
A estratégia encontrada por António Costa para sair do aperto é clara: apostar nos resultados imediatos, que venham a somar-se aos brilharetes orçamentais e aos números económicos razoáveis, e sublinhar o que diz ser a consistência e a constância das políticas.
E, nesta matéria, o Governo tem agora entre mãos duas panelas de pressão em áreas fundamentais.
Uma delas é o problema dos professores, galvanizados por um novo sindicato, com artimanhas de luta questionáveis mas com velhas exigências mais do que razoáveis. Um País que não valoriza os seus professores está condenado ao fracasso, e em Portugal esta é uma classe sobremaneira maltratada.
Carreiras ziguezagueantes, anos e anos a contratos, falta de recursos e de autoridade, alunos a mais, perspetivas a menos… tudo isto são razões de sobra para o descontentamento de uma classe com potencial de causar enorme mossa social. A somar às dezenas de milhares de professores, em causa fica também estabilidade de mais de um milhão de famílias com filhos e netos nas escolas.
Problemas idênticos, em que o dinheiro é uma questão mas não é o seu cerne principal, tem também a Saúde. Uma pandemia em cima de anos de problemas acumulados fez com que o SNS se tornasse pouco atrativo para trabalhar. Não faltam médicos em Portugal, faltam sobretudo, sim, os que, por estes dias, queiram ter o Estado como empregador.
É preciso definir uma estratégia de atração para estas duas áreas cruciais, e é preciso investir – e não gastar dinheiro – na solução dos problemas. A folga orçamental que existe, fruto das almofadas conseguidas com a inflação, que sirva para alguma coisa de útil adiante.
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