Basta uma pesquisa rápida num qualquer motor de busca de imobiliário: é uma tarefa hercúlea encontrar uma casa razoável para uma família arrendar no centro de Lisboa por menos de 900 euros, é frequente pedir-se 800 euros por um T1 e 600 por um T0 do tamanho de um quarto. Noutras zonas do País, nas grandes cidades, a situação é igualmente aflitiva para a generalidade das pessoas, sendo certo que o rendimento médio bruto mensal nacional se situa nos 1 361 euros (o quinto mais baixo dos países da OCDE).
Os preços das casas subiram muito mais do que a evolução dos salários, e mesmo durante a pandemia de Covid-19, as casas continuaram a ficar mais caras. A esmagadora maioria dos indicadores mostra uma situação que devia fazer soar alarmes. Citando alguns: 1. O preço da habitação disparou 70% em Portugal desde 2010, quando na União Europeia “apenas” 45%, e as rendas subiram 25%; 2. Segundo o INE, a subida no primeiro trimestre de 2022 foi na ordem dos 12,9%, a escalada “mais expressiva” desde 2010; 3. Um estudo da Bloomberg Economics divulgado em junho mostrou que Portugal tinha o maior rácio “price to income”, que analisa o preço das casas face ao rendimento das famílias, entre os 30 países analisados; 4. Segundo a OCDE, os portugueses precisam de cerca de 11,4 anos de rendimento médio disponível para conseguir comprar uma casa de 100 metros quadrados (m²), quando os analistas apontam os três anos como valor recomendável; 5. As rendas medianas das casas estão agora nos 6,16 euros por m² (mas muito mais altas nos grandes centros urbanos), aumentando 6,4% no primeiro trimestre de 2022 face ao ano anterior; 6. O Banco de Portugal diz que existem “sinais de sobrevalorização do imobiliário residencial português”, mas até ver os preços não parecem abrandar – pelo contrário.
O resultado é o que se conhece: os preços das casas são um peso asfixiante para as famílias e consomem a fatia de leão do rendimento disponível, o que leva a uma saída das famílias dos centros urbanos e a uma notória gentrificação do centro das cidades, cada vez mais ocupadas por negócios de arrendamento de curta duração e estrangeiros endinheirados.
Perante isto, está claramente por fazer a reflexão nacional que se impõe, e que acontece um pouco por todo o mundo, já que o problema é transversal. Que tipo de cidades queremos ter no futuro? Como vamos garantir o acesso a habitação digna para as famílias dentro ou nos arredores das cidades? Como vai evitar-se a escalada desenfreada dos preços?
Lá fora, as respostas para o problema são diversas, mas implicam abordagens pouco apreciadas pela corrente política mais liberal, que não gosta da intervenção nos mercados. Muitas passam pelo alargamento do parque público de habitação, seja pela via da construção ou da conversão de equipamentos desabitados, mas para ter impacto real económico e social tem de haver uma oferta verdadeiramente expressiva.
Olhando para a capital do País, Fernando Medina falhou a promessa de entregar as 6 000 casas anunciadas no Programa Renda Acessível, alegando razões várias. A disponibilização vem a conta-gotas: foram entregues menos de 700 casas no tempo do anterior executivo, 128 casas ficaram agora concluídas em junho, 128 estão a ser construídas e há 220 na fase de concurso para construção, já lançado. Carlos moedas diz que estão em desenvolvimento mais 1 000 fogos e em projeto mais 2 000. Pouco, muito pouco, para as necessidades.
A solução de seguir o exemplo de Berlim e de outras capitais europeias foi aplicada em Lisboa, com a aprovação do Regulamento Municipal do Alojamento Local em 2019 e a ampliação das áreas de contenção a zonas como a Baixa ou Avenida da Liberdade, entre outras. O resultado, avaliado em 2020 pelo Ministério da Economia, foi imediato: a criação de zonas de contenção do alojamento local fez os preços dos imóveis caírem 8%, e 20% no caso específico dos T2. Em março passado, foi aprovada pela maioria de esquerda a suspensão imediata de novos registos de alojamento local em 14 freguesias.
Se estas medidas chegam e surtem efeitos, será esperar para ver, dizem alguns. Mas esperar sentado pode não dar bom resultado: o preço da habitação começa a ser uma verdadeira panela de pressão social. E a inflação veio apenas agravar um problema que já era seríssimo. Insustentável.