Na campanha eleitoral para as últimas eleições legislativas, apesar da infinidade de debates entre os principais candidatos, quase não houve espaço para se discutir três dos temas que, atualmente, têm maior impacto nas nossas vidas e que, seguramente, vão condicionar o nosso futuro, individual e coletivo: a política energética, a gestão da água e o combate às alterações climáticas. Esta constatação não encerra em si qualquer surpresa. Embora façam parte do catálogo de intervenções oficiais de qualquer dirigente político, estes temas raramente conseguem ultrapassar o patamar dos discursos de circunstância. São ótimos para declarações “fofinhas”, quase sempre consensuais e por norma apontadas às “novas gerações”, mas a evitar, constantemente, de facto, que se vá ao fundo do problema. É sempre mais fácil e “redondo” falar das consequências do que das causas – em especial quando estas exigem transformações profundas, não só na forma como nos organizamos mas também no nosso modo de vida.
Tem sido assim ao longo destes últimos meses alucinantes. Discutimos muito os incêndios florestais, mas quase sempre com os mesmos argumentos usados há décadas, centrados na proteção civil, na missão e na preparação das forças de combate, e acompanhados de intermináveis discussões labirínticas sobre o ordenamento do território ou a ausência deste. É o caminho mais direto para o debate político habitual entre nós, pois permite apontar culpados e trocar acusações entre os que vão alternando no poder. Evita-se, assim, abordar aquilo que é mais fundamental e cada vez mais urgente: como evitar que as temperaturas continuem a subir e, com isso, provoquem maiores e mais persistentes incêndios.
O mesmo acontece em relação à seca, mesmo quando ela atinge, atualmente, alguns dos níveis mais graves de que há memória em Portugal. Já percebemos que a água será, cada vez mais, um recurso escasso e que vai ser preciso preservá-la e, acima de tudo, usá-la com maior cuidado. No entanto, por mais que nos esforcemos a construir barragens, a proteger os lençóis aquáticos e a desenvolver tecnologias para um melhor aproveitamento da água, as notícias não são animadoras: nos últimos 20 anos, só em seis deles choveu aquilo que era considerado normal, e a tendência é, naturalmente, para piorar, por culpa, uma vez mais, do aquecimento global.
É neste panorama que nos preparamos agora para, à semelhança do resto da Europa, começar a poupar na energia. Para proteger o ambiente e impedir a progressão dos termómetros para níveis cada vez mais altos? Nada disso. Vamos fazê-lo única e exclusivamente porque queremos libertar-nos – e bem! – da dependência do gás natural e do petróleo importados da Rússia. Ou seja: como sempre tem acontecido, a economia tem prioridade sobre o ambiente. Passámos anos e anos a proclamar que nos comprometeríamos com a diminuição do consumo energético, mas só damos esse passo quando somos obrigados a isso, por causa da disrupção causada pela invasão russa da Ucrânia.
Vai ter de existir, no entanto, um momento em que os papéis se inverterão ou, no mínimo, um momento em que ficarão em plano de igualdade, até por uma razão óbvia: se o aquecimento global continuar a progredir a este ritmo – e há já quem considere que as piores previsões podem ser ultrapassadas mais cedo do que se pensava – e se a vida humana se tornar impossível em mais locais do planeta, o último problema que nos irá preocupar será, seguramente, o do preço dos combustíveis.
Não é a primeira vez que o nosso lado do mundo enfrenta um problema energético, que obriga os governos a tomar medidas para tentar reduzir o consumo. Em 1973, durante a crise petrolífera, os EUA chegaram a impor limites de velocidade de 90 km/hora nas estradas, enquanto o Reino Unido ordenou que as montras dos estabelecimentos comerciais permanecessem apagadas depois de o Sol se pôr. Já em muitos outros países, avançou-se com o racionamento de combustíveis.
Sabemos o que aconteceu a seguir: resolvida essa “crise”, o mundo passou a consumir cada vez mais combustíveis fósseis, como se não houvesse amanhã, e a temperatura do planeta começou a aquecer como nunca havia acontecido até à véspera desse dia.
Queremos cometer o mesmo erro agora? A resposta não é fácil. E é exatamente por não ser fácil que se torna mais urgente o debate – ainda por fazer – sobre o caminho que Portugal deve seguir em matéria de desenvolvimento sustentável, numa perspetiva de emergência climática. Este é o momento certo para esse debate substantivo – não com palavras “fofas” e consensuais, mas com ideias concretas, propostas transparentes e objetivos definidos. O presente pode ser de poupança de energia, mas o futuro exige, sim, mudança das fontes de energia. Urge saber o que cada um pensa e propõe sobre esta questão.