Uma em cada cinco pessoas está em lista de espera para consulta médica, há sirenes de alarme a tocar nos hospitais a antecipar um verão de pesadelo depois de 120 serviços de urgência terem sido obrigados a fechar por falta de pessoal, ao mesmo tempo que, nos aeroportos, o caos nos serviços de fronteiras já fez 15 mil passageiros perderem os seus voos, no aeroporto da capital, enquanto milhares de outros tiveram de permanecer horas intermináveis em filas para poderem chegar ao seu destino. Lida assim, em modo contínuo, esta sucessão de acontecimentos até parece um resumo do que sucedeu no último fim de semana em Portugal. Podia ser… mas não é. O que acabou de ler foi apenas um pequeno resumo do que aconteceu, nos últimos dias, no Reino Unido, onde o outrora “glorioso” Serviço Nacional de Saúde está a rebentar pelas costuras; em França, onde a falta de médicos e de enfermeiros atinge níveis de colapso em muitas unidades de saúde; e em Espanha, um dos principais destinos turísticos do mundo, onde as longas filas em aeroportos como os de Madrid, Málaga, Alicante e Tenerife, provocadas pela falta de funcionários de segurança fronteiriça, criaram uma troca de acusações violentas entre as companhias aéreas e o governo. Mas sim, é verdade, todas estas notícias, salvaguardando a diferença de números, podiam também ser referentes ao que está a acontecer em Portugal, nesta época do ano.
Esta semelhança de casos, a sucederem em simultâneo, não pode ser apenas uma mera coincidência nem fruto do acaso. Quando tantos problemas ocorrem ao mesmo tempo em vários países, pelas mesmas razões e com iguais consequências, só podemos estar perante o sintoma de algo mais vasto e transversal. Com uma conclusão que parece evidente: após dois anos de esforços no combate à pandemia, os serviços públicos estão esgotados. E pior: o cansaço alastrou também às lideranças políticas, que agora se mostram incapazes de ler os sinais da realidade, de ouvir os avisos de quem está no terreno e, como consequência, de tomar as medidas necessárias para evitar o caos e o colapso dos serviços.
O facto de os mesmos problemas surgirem, quase em simultâneo, em vários países não pode servir de desculpa. Muito pelo contrário: deveriam ser lidos, isso sim, como um aviso e, nessa medida, como uma ordem para agilizar soluções, procurar alternativas, evitar que os problemas se acumulem e escalem para um nível que, no final, acaba por fazer quebrar a confiança com os mesmos serviços públicos que, ainda há bem pouco tempo, todos elogiavam devido ao seu papel e empenho no combate à pandemia.
Ninguém pode afirmar, em consciência, que há soluções fáceis, rápidas e baratas para evitar a degradação destes serviços essenciais para a saúde dos cidadãos e para a economia do País. A pandemia e a guerra demonstraram que precisamos de um Estado forte, resistente e eficiente, capaz de resolver as emergências, acudir aos necessitados e garantir a necessária coesão nacional. É necessário, no entanto, que o Estado seja de confiança. E, nestes tempos, a confiança ganha-se muito pela capacidade de previsão, por conseguir antecipar os problemas antes que eles se tornem gritantes e insustentáveis.
A situação agudiza-se quando, apesar dos avisos de médicos e de enfermeiros, bem como o exemplo de algo semelhante que já ocorria em França há algumas semanas, o Estado se mostra incapaz de prever as consequências gravosas do encerramento, durante um fim de semana prolongado, de urgências hospitalares, devido à já conhecida falta de pessoal. O mesmo acontece em relação ao caos nos aeroportos, provocado, em grande medida, pelos milhares de turistas britânicos cujos passaportes passaram a ter de ser controlados pelo SEF, ao contrário do que acontecia até há um ano. A verdade, no entanto, é que ninguém pode dizer que foi apanhado de surpresa por essa situação. Se há local onde é bem possível planear a operação de um serviço – ainda por cima vital para a imagem inicial de um destino turístico – é o das chegadas de um aeroporto, onde todos sabem, com antecedência, quantos voos vão chegar no dia seguinte, e até, se for preciso, os nomes de todos os passageiros que irão desembarcar. Não conseguir prever um pico anunciado de passageiros só pode ser considerado desleixo. Em Portugal ou em qualquer parte do mundo.