Há promessas que não devem nem podem ficar esquecidas, até porque o seu não cumprimento pode ter consequências inesperadas e imprevisíveis. É a isto que se está agora a assistir em França, onde o sistema político tradicional acaba de implodir e de transformar-se em algo nunca visto no país, desde o final da II Guerra Mundial. E mesmo que Emmanuel Macron venha, com maior ou menor dificuldade, a ser reeleito Presidente, nada voltará a ser o que era – exatamente porque ele foi incapaz de cumprir a sua mais importante promessa de há cinco anos, proferida num discurso emotivo no majestoso cenário do Museu do Louvre, logo depois de ter derrotado, de forma concludente (66,1% face aos 33,9%), a candidata de extrema-direita Marine Le Pen. Nesse momento de glória, aos 39 anos e poucos meses após ter criado o próprio partido político, Macron mediu bem as palavras e anunciou o seu grande objetivo: “Farei de tudo para que os franceses não tenham mais motivos para votar nos partidos extremistas.”
Os resultados da primeira volta das presidenciais francesas são eloquentes acerca do seu falhanço neste propósito: mais de 50% dos eleitores franceses votaram nos extremos (de direita e de esquerda), um em cada três franceses depositou o seu voto num candidato de extrema-direita (Marine Le Pen e Éric Zemmour). Em contrapartida, os dois principais partidos do centro (conservadores e socialistas), que, através do normal equilíbrio esquerda-direita, dominaram e estruturaram a V República, valem agora, em conjunto, apenas 7% dos votos, quando há apenas 10 anos tinham 56% da confiança dos eleitores. A implosão dos partidos moderados foi de tal ordem que até o candidato dos Verdes, Yannick Jadot, foi incapaz de chegar aos 5% de votos, limite mínimo para que a campanha seja subvencionada pelo Estado (tal como sucedeu com a conservadora Valérie Pécresse e a socialista Anne Hidalgo).
No momento em que a Europa vive o seu momento mais crítico das últimas décadas, os resultados da primeira volta das eleições francesas devem ser, por isso, motivo de preocupação – especialmente quando mais de metade dos eleitores vota em candidatos que se manifestam abertamente hostis à União Europeia e à participação na NATO. Ou seja: estas eleições revelam que, entre a sociedade francesa, está quebrado o consenso que vigorou durante anos e que fez de Paris um dos principais motores da União Europeia. E não deixa de ser sintomático que isso tenha ocorrido precisamente no momento em que o seu Presidente mais se tem esforçado para, depois da saída de cena de Angela Merkel, assumir o papel de líder incontestado da Europa e ser uma das vozes mais ativas ao nível internacional, procurando devolver à França uma “grandeza” que muitos pensavam já perdida.
O que é certo é que os tempos mudaram mais depressa do que Macron foi capaz de prever. Ao ocupar, de forma hegemónica, o centro político do país e, em simultâneo, ao manifestar uma grande insensibilidade para tratar dos assuntos que maior clivagem provocam na sociedade, ele acabou por perder a relação especial que tinha conseguido estabelecer, em 2017, com a esmagadora maioria dos franceses. Além disso, ao dominar hegemonicamente o centro político e ao recusar, ao mesmo tempo, o debate ideológico e o combate aos extremismos, Macron não foi capaz de encontrar as respostas certas para os principais anseios da sociedade francesa.
Assim, mesmo que até tenha conseguido fazer aumentar o investimento estrangeiro em França e descer o desemprego para mínimos históricos, Macron deixou que Marine Le Pen empunhasse a bandeira da luta contra o aumento do custo de vida, usando inclusive argumentos e soluções “roubados” à esquerda: mais Estado social, mais aumentos de pensões e do salário mínimo, menos impostos para os trabalhadores, a manutenção da idade de reforma nos 60 anos (em vez dos 65 propostos por Macron). Um plano económico que o Instituto Montaigne calculou que irá custar 105 mil milhões de euros líquidos por ano, um valor insustentável para as Finanças francesas, mas que ela insiste em apresentar como viável e que, acima de tudo, constitui a principal arma para amenizar o seu discurso e “desdiabolizar” a sua imagem.
É verdade que Macron parte em vantagem para a reeleição, mas o seu primeiro mandato ficou manchado pelo contrário do que ele anunciou: a “normalização” dos extremos. Por isso, aquilo que parecia impossível pode, afinal, acontecer: se, para ganhar, Marine Le Pen precisa de ir buscar votos à extrema-esquerda, no atual contexto tal deixou de ser uma missão impossível.